Uma reunião no Palácio das Esmeraldas, na noite de segunda-feira (14), fechou um acordo político rumoroso. À meia noite daquele dia venceria o prazo para o PL de Jair Bolsonaro recorrer ao TSE da decisão do TRE-GO, de 8 de abril, que derrubou a inelegibilidade do governador Ronaldo Caiado, do prefeito Sandro Mabel (UB), da vice-prefeita, Cláudia Lira (Avante), e a cassação dos mandatos dos dois últimos. Eles haviam sido condenados em primeira instância. Para entender esse acordo, é preciso revisitar fatos correlatos. Corre no STF ação penal do senador Vanderlan Cardoso (PSD) contra o deputado federal Gustavo Gayer (PL). Ele é acusado de injúria, calúnia e difamação, com circunstâncias que agravam a pena, por ofender o senador nas redes sociais em 2023. Se for condenado, o deputado poderá perder o mandato e ficar inelegível. Por fim, Bolsonaro luta para a Câmara dos Deputados pautar e aprovar o projeto de lei (PL) da anistia aos manifestantes do 8 de janeiro, que também o beneficiará. Ao PL interessava o apoio de Caiado à anistia e a retirada da ação de Vanderlan contra seu deputado federal. Já o governador pretendia que não subisse para o TSE a ação eleitoral do PL contra ele e Mabel, salvos da cassação e da inelegibilidade, mas condenados à multa de R$ 100 mil, mantida na segunda instância, por “conduta vedada” pelos jantares realizados no Palácio das Esmeraldas em favor de seu candidato a prefeito de Goiânia. O primeiro pedido do PL não avançou. Vanderlan não recuou da ação penal, que já se encontra na fase de produção de provas. Caiado já tinha se declarado a favor da anistia em fevereiro de 2024. A campanha eleitoral, com o enfrentamento de Mabel e Fred Rodrigues, azedou novamente a relação turbulenta dele com Bolsonaro. Um telefonema do ex-presidente, interessado no apoio do maior número possível de governadores à anistia, restabeleceu o contato entre eles no final de março, a ponto de Caiado novamente desfilar na avenida Paulista no ato bolsonarista de 6 de abril. Em tese, portanto, foi fácil para o governador fechar o acordo e o PL desistiu do recurso ao TSE. Esse episódio, contudo, é ilustrativo de que na política, os acordos nem sempre fazem a mediação entre o interesse público e o projeto eleitoral das partes. Em geral prevalece o último.Em 2023, Caiado criticou com veemência os atos contra as sedes dos três poderes da República. “Não existe a mínima justificativa para estes atos antidemocráticos. Não podem ser considerados patriotas aqueles que atentam contra o estado democrático de direito e se voltam contra a sua própria nação”, escreveu ele no antigo Twitter, em 8 de janeiro. “Ninguém no Brasil tem mais história de oposição política à esquerda e ao PT do que Ronaldo Caiado, mas eu jamais na minha vida admiti a quebra do respeito ao estado democrático de direito e aos poderes constituídos. Se situações como essas forem autorizadas, o Brasil entra em processo de desobediência civil”, afirmou (O POPULAR, 10/01/2023). Nesta semana, ao ser questionado por jornalistas sobre o acordo com o PL o governador disse: “Esse é um ponto em que há convergência: a anistia. Esse é um assunto que, sem dúvida nenhuma, eu concordo plenamente. As penas têm sido acima daquilo que normalmente se aplica em qualquer punição. Estão sendo, de certa forma, desproporcionais ao que foi praticado.”Só que anistia é diferente de revisão de penas. Anistiar é perdoar, esquecer. Já a revisão de penalidades não perdoa, apenas revê o tempo de cumprimento das penas. Acrescente-se a isso outra reflexão, os limites para acordos políticos. Em nenhum caso eles podem contrariar a Constituição, como o faz todo e qualquer movimento golpista. Juscelino Kubitschek anistiou os golpistas que tentaram impedir sua posse em 1955, como Caiado gosta de lembrar para servir de exemplo. Perdoados os golpistas se reorganizaram, deram o golpe de estado em 1964 e cassaram o mandato do então senador Kubitscheck, em 1969. Atos antidemocráticos, como Caiado qualificou os de 8 de janeiro, são imperdoáveis, porque “a democracia é inegociável”. JK que o diga.