O ex-presidente da República Jair Bolsonaro não economizou provocações contra o governador Ronaldo Caiado nesta campanha municipal. Em setembro, ele sugeriu que Caiado era um “governador covarde”. No final do primeiro turno, insinuou que o governador tinha se aproximado da esquerda. Para fechar o ciclo eleitoral, o ex-presidente passou o dia da eleição em Goiânia, depois de intensa participação na campanha de Fred Rodrigues (PL), e declarou que seria “mortal” às pretensões políticas de Caiado se ele perdesse na capital. O governador “não passou recibo” às provocações, para usar uma expressão de Iris Rezende. A vitória de Sandro Mabel (União) no domingo (27) possibilitou a Caiado rir por último, e rir melhor. Nas entrevistas que concedeu nesta semana à Rede CBN, à Folha de S.Paulo, ao jornal O POPULAR e à rádio CBN Goiânia, Caiado enfim desabafou. “Por que Bolsonaro veio aqui várias vezes, deselegante, agressivo comigo? (...) Foi uma atitude de querer me derrotar na minha capital. É um desrespeito à minha história.” E ainda: “Quem enche aeroporto eu não sei, agora quem ganha eleição e reeleição, eu sei: chama-se Ronaldo Caiado”, disse em resposta a Bolsonaro que perguntou, na terça-feira (29), quantas pessoas os demais direitistas juntam em um aeroporto para um bate-papo.Caiado repetiu várias vezes nesta semana que sua candidatura “é uma decisão tomada”. Para ele, a direita pode ter vários candidatos no primeiro turno e deixar para o segundo turno a aliança contra o candidato progressista. Os episódios da campanha eleitoral serviram, portanto, para ele se libertar e tocar seu projeto de ser presidenciável, sem medo de provocar Bolsonaro – que não suporta nem ouvir que ficará de fora da eleição de 2026, apesar de sua inelegibilidade. Se a derrota seria “mortal” às pretensões de Caiado, vencer o bolsonarismo em Goiânia e em Aparecida de Goiânia foi um energético, ainda mais depois de uma campanha acirrada, com virada bolsonarista no primeiro turno, e reviravolta caiadista no segundo turno. Foi esse político revigorado que participou da reunião entre os governadores e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta quinta-feira (31), o primeiro palco político no qual o governador subiu no pós-eleição. O encontro foi para discutir a PEC da Segurança Pública, apresentada pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para alterar os artigos 21, 22, 23 e 144 da Constituição Federal. Entre as ideias está a instituição de diretrizes da política nacional de segurança obrigatórias para os estados. Em discurso de mais de 15 minutos – eram 5 minutos por governador – Caiado atacou a PEC, alegando que ela tira prerrogativas dos estados e disse que “não tem a presença do crime em nenhum palmo de terra de Goiás”. O governador defendeu liberdade para cada estado aprovar suas leis penais e para o sistema prisional. Criminalistas reconhecidos como Pierpaolo Cruz Bottini, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e Pedro Paulo Medeiros criticaram a esta colunista a proposta do governador. “Direito penal e processo penal são temas sensíveis, que tratam da liberdade do indivíduo. A maior ou menor intervenção do estado na liberdade deve ser analisada pelo Congresso Nacional, disse Pierpaolo, professor de Direito Penal da USP. “O governador fez uma participação de candidato, nós temos de respeitar. Ele é candidato e é melhor que seja ele do que Bolsonaro, mas juridicamente, em termos de legislação, essa prerrogativa dos Estados seria um desastre”, afirmou Kakay, advogado criminalista em Brasília. “Se der essa autonomia aos estados, com o tempo cada um seria uma federação pura com autonomia tamanha que logo começariam a pedir a independência”, argumentou Pedro Paulo Medeiros criminalista em Goiânia. “A possibilidade de cada estado legislar sobre a lei penal e lei de execução penal, causaria um caos no sistema judiciário. A meu ver, é um discurso eleitoreiro”, opina o criminalista Romero Ferraz Júnior.Independentemente do mérito, Caiado abraça um assunto para o enfrentamento do governo Lula, como fez com a PEC da reforma tributária. O pré-candidato voltou, agora com o troféu de vencedor do duelo eleitoral com Bolsonaro e com um projeto de segurança nas mãos. O governador percebeu que o ex-presidente não detém a hegemonia da direita e se antecipa na corrida por esse eleitorado.