Em 25 de março de 2020 o governador Ronaldo Caiado (UB) fez um dos ataques mais duros ao então presidente Jair Bolsonaro (PL). Na véspera o presidente havia declarado em pronunciamento à nação que a pandemia da Covid 19 era uma mera “gripezinha” ou “resfriadinho”. Naquele momento 46 mil brasileiros já tinham morrido em consequência da Covid. “Respeito! Na política e na vida, a ignorância não é uma virtude”, atacou. O governador estabeleceu um limite para seu apoio a um presidente aliado e revelou sua indisposição de atravessar essa linha. Sua fronteira era o conhecimento científico e a vida humana, escolhas de altíssimo custo político, que foi a fratura com o bolsonarismo e a eterna desconfiança deles que dura até os dias atuais.Em 9 de julho, o presidente Donald Trump tarifou as importações dos produtos brasileiros em 50%. No primeiro parágrafo de sua carta ao Brasil, ele relacionou a medida à defesa de Bolsonaro e chantageou o Brasil a anistiar o ex-presidente e a punir o ministro Alexandre de Moraes e o Supremo Tribunal Federal (STF) em troca de derrubar o tarifaço. Em 11 de julho, Caiado viajou em missão oficial ao Japão, deixando apenas um vídeo nas redes sociais responsabilizando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelos ataques trumpistas e bolsonaristas aos interesses brasileiros. Caiado passou a semana seguinte em agendas oficiais no Japão sem tocar no assunto. No dia 19 postou um vídeo dizendo que seguia os ensinamentos de Carlos Lacerda, ex-deputado federal e ex-governador do Estado da Guanabara, de que não comentava assuntos internos, estando fora do Brasil. Caiado disse que anteciparia seu retorno, a agenda oficial terminava dia 21, para reunir o setor produtivo goiano e debater saídas ao tarifaço.O jornalista Mário Magalhães pesquisa a vida e a carreira política de Lacerda há dez anos. Seu livro será publicado em março. O biógrafo confirma a frase, mas diz que nem o próprio Lacerda seguia seus ensinamentos. Como exemplo, Magalhães cita uma excepcional entrevista do brasileiro ao âncora norte-americano William F. Buckley Jr., em novembro de 1967, em Nova York, (entrevista sob a guarda do Conselho de Curadores da Universidade Leland Stanford Junior). Não entrava na cabeça de Buckley Jr. como um democrata tinha apoiado a ruptura institucional de 1964. A explicação soou ingênua. Lacerda era candidato a presidente da República em 1965 e esperava dos militares a realização das eleições um ano depois do golpe. Ele atravessou o rubicão – uma decisão irreversível, sem possibilidade de retorno –, confiando na retomada democrática. Era cálculo eleitoral. Um ano depois da entrevista Lacerda foi cassado e preso pelos militares nos quais confiou. Morreu em 1977 sem testemunhar a redemocratização do Brasil e sem nunca mais ter podido disputar uma eleição.Candidato a presidente da República em 2026, o governador Caiado move-se também por cálculo eleitoral. Ele quer apoio dos bolsonaristas (ainda que só parte dele) e já fez suas oferendas. Subiu em palanque na Avenida Paulista em comício contra o STF, ofereceu “anistia ampla geral e irrestrita” a todos os acusados da trama golpista, incluindo Bolsonaro, e criticou o STF por tornar o ex-presidente e seus asseclas réus nos atos golpistas. Por último diz ser contra o tarifaço, mas poupa a família Bolsonaro da responsabilidade que ela própria se gaba de ter na medida trumpista.Até onde Caiado está disposto a ir por seu cálculo eleitoral? Em painel do jornal O GLOBO, realizado nesta sexta-feira (1º), o que se viu foi o governador sem discurso. A segurança pública e o antilulismo soaram repetitivos neste turbilhão pós-tarifaço. Talvez por isso, o governador recorreu a seu fio de bigode preferido, quer dizer, sua “independência moral e política”. Ainda assim persiste a dúvida: ele pode penhorar essa independência pelo cálculo eleitoral? Ele atravessaria o rubicão?