A publicação, no último dia 10, de despacho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), homologando a saída de Goiás do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e a aprovação da proposta de emenda constitucional pela Assembleia Legislativa, autorizando a adesão ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) permitem a migração de Goiás de um regime para o outro. O ato final será a assinatura de novos contratos das dívidas entre o Estado e a Procuradoria-Geral da Fazenda Pública.Em sete anos – entre a suspensão do pagamento dos serviços das dívidas de Goiás pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019, e a adesão ao RRF – os presidentes Bolsonaro (2019 e 2022) e Lula (de 2023 a novembro 2025) honraram R$ 6,5 bilhões das dívidas do Estado. É como se Caiado tivesse contraído um empréstimo neste valor para ajustar as contas do Estado.Como todo empréstimo, houve regras a serem cumpridas, entre elas o teto de gastos. Durante esses anos foi como se o Estado estivesse na UTI, com foco na sobrevivência. O Estado se livrou dos serviços da dívida, mas seu estoque cresceu a juros altos (taxa Selic + inflação) e seus gastos ficaram engessados. Era, digamos, o “teto de miséria” que exigia forte economia das despesas.Os demais poderes (Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça) e os órgãos independentes (MP-GO, Defensoria Pública, TCE e TCM) não contribuíam com o controle de gastos. O Executivo tinha de economizar para si próprio e para todos os demais entes.Em abril de 2024, a então secretária de Economia, Selene Peres, discriminou no papel (leia-se em nota técnica da Secretaria de Economia enviada anualmente à Secretaria do Tesouro Nacional) a contribuição de cada um desses entes para o teto de gastos. A nota revelou que em 2023 o Estado cumpriu globalmente o teto com redução de R$ 155,916 milhões nas despesas, mas que TJ-GO, Assembleia Legislativa, Defensoria e TCM gastaram acima do limite individual do RRF. A divulgação dessa informação por esta colunista na rádio CBN Goiânia, em 13 de abril de 2024, custou o cargo à secretária Selene. Com a irritação dos demais poderes, ficou acertado ainda que a discriminação do teto não mais aconteceria. Prevaleceu o argumento de que o Executivo era o responsável pelo desajuste das contas públicas e que, portanto, caberia a ele honrar o RRF.Mesmo que se concorde com esse argumento, a receita do Estado é uma só, e a economia devia ser coletiva quando o dinheiro míngua. Não foi o que aconteceu, haja vista que neste período, Tribunal de Justiça e MP-GO ampliaram seus gastos com penduricalhos salariais. É o caso da gratificação por excesso de acervo, um pagamento extra para juízes e promotores que cuidam de processos “além do normal” ou acumulam mais de uma vara/promotoria. Uma mina de ouro, pois em alguns casos, essa gratificação pode chegar a 1/3 do salário todo mês (mais de R$ 10 mil extras).Com o Propag, o teto de gastos deixa de ser apurado, na prática, para o “CNPJ” do Estado e passa a ser apurado pelo “CPF” de cada instituição. Quer dizer, a regra do jogo muda para a individualização das metas. Executivo, Legislativo, Judiciário e os órgãos independentes (MP, Defensoria, Tribunais de Contas) serão responsáveis pelas despesas que criarem.Acabou a liberdade de gastar sem limites. Se um poder gastar além da conta em 2026, o problema será dele. Ele sofrerá o desgaste institucional de não honrar compromissos sem poder culpar o mensageiro, como fez com a secretária Selene Peres, sacrificada em 2024.O Executivo deixará de ser o “amortecedor” fiscal. Se as demais instituições estourarem seus tetos, terão de se explicar à Secretaria do Tesouro Nacional, para seus servidores e para a sociedade, porque geriram mal o próprio limite. É um passo necessário para a transparência das contas públicas.