O desmatamento é o mais grave problema ambiental de Goiás, admitiu ninguém menos que a principal autoridade estadual da área, a secretária de Meio Ambiente, Andrea Vulcanis, em audiência pública na Assembleia Legislativa, na terça-feira (30). A secretária informou que a média anual de desmatamento nos quatro anos do governo de Ronaldo Caiado (2019/2022) foi de 30 mil hectares. Restam apenas 35% de cobertura natural em Goiás, uma proporção que Vulcanis considera positiva, tendo em vista que, argumenta, o Código Florestal exige apenas 20% de reserva natural, além das áreas de proteção permanentes (APPs), ou seja, em torno de 25% do território, menos que os 35% atuais. Numericamente está dentro da lei, mas esses números escondem um grave problema. É que as reservas naturais são fragmentadas, o que desfavorece a proteção da fauna, da flora e dos recursos hídricos. O desmatamento do território goiano concentra-se nas regiões sul, sudoeste e centro, onde está também grande parte da produção agropecuária. Essa devastação já cobra um custo alto. “Falta água para o consumo humano no extremo-sudoeste goiano”, testemunhou a deputada estadual Rosângela Rezende (Agir), com base eleitoral em Mineiros, que acompanhou a audiência pública na Assembleia ao lado do colega Antônio Gomide (PT). Já as áreas verdes agrupam-se nas regiões norte e nordeste, formando uma espécie de santuário verde no mapa goiano, mas que também está ameaçado. De acordo com os dados apresentados na audiência pela diretora do Laboratório de Processamento e Geoprocessamento de Imagens (Lapig) da UFG, Elaine Barbosa, os municípios que registraram os maiores desmatamentos em 2022 localizam-se exatamente nessas duas últimas regiões: Cavalcante, Niquelândia, Crixás, Formosa e Flores de Goiás. A continuar na velocidade atual, em breve esse santuário vai desaparecer. O governo que admitiu na Assembleia que a derrubada do Cerrado é o maior problema ambiental de Goiás foi o mesmo que patrocinou a aprovação, nesta semana, do projeto de lei que flexibilizou as leis ambientais. O projeto leva a assinatura do líder do Governo, Wilde Cambão (PSD), e do presidente da Assembleia, Bruno Peixoto (UB), e altera quatro leis estaduais, duas de 2013, uma de 2019 e outra de 2022. São quase 40 alterações realizadas em tramitação relâmpago que dispensou, inclusive, sua apreciação pela Comissão de Meio Ambiente.De acordo com o advogado José Antônio Tietzmann, especialista em direito ambiental, o projeto cria um novo marco temporal para a regularização de áreas desmatadas no Estado, até 27 de dezembro de 2019. O marco da Lei Florestal (Lei 12.651/2012) é até 22 de julho de 2008. Quer dizer, o projeto estende esse prazo por mais 11 anos em Goiás, uma inconstitucionalidade, avalia, na medida em que contraria a lei federal. Há outros problemas com a proposta, como sigilo parcial em processos de infrações ambientais e possibilidade de supressão sem licença dos chamados “capões”.A secretária Vulcanis disse na Assembleia não entender por que não houve redução do desmatamento em Goiás, pois, alega, sua pasta agiu com rigor e embargou a supressão vegetal de 145 mil hectares em quatro anos. Uma explicação é a fragilidade da fiscalização. A Secretaria de Meio Ambiente conta com apenas 12 fiscais para todo o território goiano. Outra pode ser encontrada nesse projeto de lei patrocinado pelo governo: o mesmo Estado que fiscaliza toma a iniciativa de flexibilizar a legislação e cria uma espécie de “refis ambiental” para os infratores.Na quarta-feira (31) Caiado fez uma dobradinha política com o bolsonarismo mais retrógrado, antidemocrático e fundamentalista para atacar um inimigo ideológico em comum, os sem-terra. Enquanto o governador fazia esse enfrentamento na CPI do MST, da Câmara dos Deputados, sua base aprovava esse projeto de lei, um presente às avessas para o Dia Mundial do Meio Ambiente, que se comemora nesta segunda-feira (5). Os dois acontecimentos explicam como se chegou a essa lei. Caiado gosta de repetir que Goiás tornou-se referência nacional em segurança pública, educação e saúde. Agora tem mais uma marca para agregar a seu marketing: o Estado aprovou a lei mais permissiva do país para o desmatamento da cobertura vegetal. É assim que se passam as boiadas.