O governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL) foi bom para o governo de Ronaldo Caiado (UB)? Se tiver de responder a essa pergunta, a resposta do governador deve ser positiva, especialmente agora que ele tenta conquistar o ex-presidente e seus apoiadores para seu projeto de disputar a eleição presidencial em 2026.Nesta terça-feira (19), durante prestação de contas do último quadrimestre de 2023 à Comissão de Finanças da Assembleia Legislativa, a secretária de Economia, Selene Peres, revelou informações que mostram um outro lado dessa relação. Os relatórios sobre o comportamento das receitas do Tesouro estadual nos últimos anos indicam que partiu de Bolsonaro a medida que provocou profundo abalo na principal bandeira do primeiro mandato de Caiado, a busca pela sustentabilidade fiscal.Usando expressões do jargão de finanças públicas, a secretária revelou em sua linguagem neutra que a redução do ICMS dos combustíveis, comunicação e transporte – aprovada em 2022 para ajudar na reeleição de Bolsonaro e à revelia dos governadores – provocou um estrago irrecuperável nas contas estaduais. Segundo ela, Goiás foi a quarta unidade da federação que mais perdeu com a mudança – atrás apenas de São Paulo, Minas e Pernambuco.Essa política pública eleitoreira desarranjou o planejamento construído por Caiado a partir de 2019. Em 2023, Goiás descumpriu o teto de gastos imposto pela Lei Complementar (LC) 156 (com as regras de renegociação das dívidas anteriores a 2018), e deve ter de pagar uma multa de R$240 milhões, e quase estourou o teto da LC 159, que trata das obrigações do regime de recuperação fiscal (RRF), que Caiado assinou em dezembro de 2021. O Estado passou raspando o teto da LC 159, a apenas R$150 milhões de alcançá-lo. A secretária revelou que o corte do ICMS inverteu a trajetória de alta da receita corrente líquida (RCL) de Goiás, que vinha sendo registrada desde 2018. Para ficar só nos últimos anos, a RCL subiu 2,64% em 2020, ano da pandemia da covid; 8,88% em 2021; 11,50% em 2022, e caiu 1,34% em 2023. “É uma perda estrutural. Essa receita não se recompõe mais”, alertou Selene aos deputados estaduais.Apesar da redução das receitas, o estado registrou crescimento de 5,18% nas despesas brutas com pessoal no ano passado e gastou 43,23% da RCL nesta rubrica, bem próximo do limite de alerta (de 43,74%), estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Se o crescimento desse gasto se repetir em 2024, o Estado ultrapassará esse limite, pois chegará a 45,94% da RCL, alertou Selene.Com o novo patamar de receita, com a necessidade de cumprir o teto de gastos da LC 159, com as despesas de educação, de saúde e de assistência social mais elevadas, e com a folha de pagamento em alta, a secretária usou a palavra “aflição” para expressar sua preocupação com o fechamento das contas deste 2024. O líder do Governo, deputado Talles Barreto (UB), demonstrou apreensão e lembrou da pressão que os deputados recebem de servidores por reajustes salariais e promoção na carreira e das demandas por investimentos públicos, e perguntou à secretária se não havia o que ser feito para mitigar esse cenário. Selene não dourou a pílula. Ela disse que todos os poderes terão de fazer esforço isoladamente para não estourar o teto – como determina os arts. 40 e 41 da Constituição estadual –, que todos terão de conter despesas (ela informou que aguardava o retorno do governador de Israel para discutir cortes); que é necessário captar emendas de parlamentares federais e recursos da União, pois recursos federais não entram no cálculo do teto de gastos; citou ainda uma ação no STF para que os fundos da justiça não sejam incluídos no teto e o esforço de renegociação das dívidas dos Estados junto ao Ministério da Fazenda. “Se fizermos tudo isso ao mesmo tempo, aí nós cumpriremos o teto”, disse.Como se vê, partiu de um aliado o maior embaraço ao governo de Caiado, e não da oposição – aliás, vale lembrar que o governador disse no ano passado que não havia “oposição sólida” em Goiás. Agora ele joga toda sua experiência política para seduzir Bolsonaro para sua candidatura. Pelo visto, administração é uma coisa e política, outra.