A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) apresentou um argumento peculiar no recurso, apresentado terça-feira (14) ao Supremo Tribunal Federal (STF), para reverter uma liminar do ministro Alexandre de Moraes em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo diretório nacional do PT. Em 10 de outubro, Moraes suspendeu duas leis estaduais que permitiram a parceria do Estado com o Instituto de Fortalecimento Agropecuário de Goiás (Ifag) para construção de obras rodoviárias com recursos do Fundo Estadual de Investimento (Fundeinfra).A petição da PGE informa que a capacidade de execução da Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes (Goinfra) é de média de 1,58 km/mês em implantação e 6,23 km/mês em restauração e que a conclusão da atual carteira de obras rodoviárias demandaria aproximadamente 96 anos. Segundo a PGE, esse cenário “inviabiliza” o cumprimento de metas de desenvolvimento no Fundeinfra.A ADI do PT reclama que as duas leis criadas em Goiás para enfrentar esse cenário usurpam a competência privativa da União para legislar sobre licitação e contratos; criam hipótese inédita de inexigibilidade de chamamento público e fragilizam o controle externo ao conferir centralidade à supervisão pelo Executivo, com menções genéricas ao Tribunal de Contas do Estado.O ministro concordou com boa parte desses argumentos. Para ele, compete à União estabelecer regras para licitações e contratos e aos estados, suplementar nas “lacunas” da lei federal. A PGE contrapõe esses argumentos com outra tese. As leis estaduais, diz, não tratam de licitação, tampouco de contratações públicas, mas “instituem regime de fomento estatal”. O fomento é um instrumento da administração pública que prevê o desenvolvimento de políticas públicas por meio de apoio financeiro, incentivos fiscais ou parcerias, sem que o estado execute diretamente a atividade. Eis o impasse que o STF vai dirimir na votação da liminar – que será avaliada pelo plenário –, e no julgamento do mérito da ADI: as leis estaduais criaram regras para licitação pública ou, diferentemente apenas regulamentaram o fomento público por meio de um “inovador” (adjetivo predileto da PGE) “modelo alternativo de provisão de infraestrutura”? O fomento público permite realização de obras?A partir dessa contextualização, é possível voltar às informações do início deste texto. A revelação de que a Goinfra levaria 96 anos para executar a atual carteira de obras revela mais sobre a atual gestão e menos sobre as leis de licitação e suscita questionamentos. Por que a Goinfra (que já foi Dergo, Crisa e Agetop) e que construiu toda a malha rodoviária de Goiás agora caminha a passos de tartaruga? Como explicar a dificuldade deste governo de enfrentar a alegada “burocracia” se a legislação é praticamente a mesma existente em governos anteriores? Vale registrar que a Lei nº 8.666/1993 vigorou por quase 30 anos e foi modificada pela Lei nº 14.133/2021. O PSDB aproveitou esse embate jurídico desta semana para divulgar que realizou 711 licitações de obras rodoviárias e civis entre 2011 e 2017. O que aconteceu com essa expertise da agência adquirida em 59 anos de história (do Dergo, fundado em 1966, à Goinfra) de licitar, contratar e fazer a gestão de obras públicas? Esse “modelo alternativo” ainda atropelou os órgãos de controle. Em 2022 o TCE chancelou o primeiro experimento do governo com leis “inovadoras” ao aceitar o regime de parceria sem licitação do estado com o Instituto Pio XII para construir, implantar e gerenciar o Complexo Oncológico de Referência (Cora), autorizado pela Lei nº 21.642/2022. Desde então, o TCE mostra-se um órgão de controle coadjuvante. O Ministério Público de Goiás igualmente renunciou à sua competência para questionar a constitucionalidade de leis (usa esse papel de forma seletiva). Coadjuvante também se tornou a Assembleia Legislativa, dedicada a aumentar sua já inchada estrutura para garantir a reeleição da maioria de seus membros. Nesse contexto, o executivo hipertrofia suas competências ao mesmo tempo em que atrofia órgãos da gestão pública e de controle. Essa usurpação/omissão entre os poderes se revela perigosa para a transparência e, consequentemente, para a democracia.