O 10º Batalhão de Caçadores (10º BC) – assim como seu sucessor, o 42º Batalhão de Infantaria Motorizada (42º BIMtz) – foi cenário central da política goiana nos tempos da ditadura militar. Na época, as articulações políticas migraram dos palácios sedes do poder civil para a representação do Exército em Goiás. Nomes como o do coronel Danilo Darcy de Sá da Cunha e Melo, chave na deposição do governador Mauro Borges, em novembro de 1964, e do capitão Marcus Antônio Brito Fleury, entre tantos outros, ganharam relevo na crônica política.A redemocratização do Brasil, em 1985, devolveu a atividade política aos civis, e os militares à caserna até o governo do presidente Jair Bolsonaro, que repovoou os cargos públicos com militares de várias patentes. A operação Tempus Veritatis, desencadeada pela Polícia Federal nesta quinta-feira (9), para investigar tentativa de golpe de estado e de abolição do Estado Democrático de Direito, revelou entranhas, até então obscuras, sobre a contribuição de militares ao esgarçamento democrático do Brasil, a partir do resultado da eleição presidencial, em 30 de outubro de 2022, até a depredação da Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.O toc, toc, toc da PF na porta da casa de um dos investigados, o tenente-coronel de Infantaria Guilherme Marques de Almeida, na Vila Militar no Setor Marista, em Goiânia, é um elemento relevante para compreender o papel de alguns militares do QG local do Exército, com as tramas golpistas de Bolsonaro. Vale lembrar que esse elo já se mostrara com a nomeação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, para comandar o 1º Batalhão de Ações e Comandos (1º BAC), uma das unidades do Comando de Operações Especiais (COpEsp) em Goiânia. A nomeação só foi cancelada depois da descoberta do envolvimento de Mauro Cid com os escândalos de vendas de joias e com a falsificação do cartão de vacina do ex-presidente.O CopEsp foi criado em 2002, em substituição ao 42º BIMtz, para reunir unidades de forças especiais do Exército em Goiânia, estrategicamente localizada no centro do país e vizinha de Brasília. Subordina-se ao Comando Militar do Planalto (CMP) e vincula-se para fins de preparo e emprego ao Comando de Operações Terrestres (Coter), que foi liderado pelo general Estevam Theophilo, um dos 16 militares investigados pela PF e que foi membro do Alto Comando do Exército até 1º de dezembro.O comando tem oito unidades, como o 1º Batalhão de Operações Psicológicas, liderado, a partir de 20 de janeiro, pelo tenente-coronel Marques de Almeida e duas das principais unidades de operações especiais das Forças Armadas brasileiras: o 1º Batalhão de Forças Especiais (1º BFEsp) e o 1º BAC, ambicionado pelo coronel Mauro Cid.A história das forças especiais começou em 1957 com o primeiro curso de treinamento realizado pelo Exército, inspirado nos cursos Rangers e Special Forces, dos EUA, segundo contou um de seus idealizadores, o cel. R1 Paulo Filgueiras Tavares, em entrevista à 1ª edição da “Revista do CopEsp”, de 2021. Segundo ele, essa formação ocorreu no “ambiente civil da época de risco de greves”.Atualmente seus integrantes, conhecidos como kids pretos, são treinados para as chamadas “operações de guerra irregular” (terrorismo, guerrilha, insurreição, movimentos de resistência, insurgência, entre outros). De acordo com o coronel Paulo Filgueiras, os fundamentos de espionagem do curso de 1957 deram origem à Escola Nacional de Espionagem e ao Serviço Nacional de Informações (SNI), após o golpe de 1964. As forças especiais são as preferidas de Bolsonaro na corporação. O ex-presidente se submeteu duas vezes ao teste de ingresso, mas foi reprovado.O Brasil mudou muito desde a criação do 10º BC, em 1960, até o atual CopEsp, mas algumas coisas teimam em se repetir mesmo após mais de 60 anos, como indicam as investigações da PF, com a contundente prova do vídeo de reunião de Bolsonaro com seus ministros, em 5 de julho de 2022, em que ele orienta a equipe a questionar o resultado das urnas. Reunir as peças desse quebra cabeça ajuda o Brasil a evitar que homens treinados para atuar em “qualquer missão, em qualquer lugar, a qualquer hora e de qualquer maneira” (slogan dos kids pretos) emprestem seu treinamento a ações contrárias à Constituição brasileira.