
Calçadas em sequência de desnível uma para a outra: realidade da Rua Rio Branco, no Jardim Esmeralda ( Wildes Barbosa / O Popular)
Mesmo registrando o maior porcentual de moradores que residem em locais com calçadas dentre as capitais brasileiras, Goiânia tem 64,9% dos passeios com obstáculos que impedem o livre trânsito dos pedestres. Ao mesmo tempo, a acessibilidade para cadeirantes que dependem das rampas de acesso nos espaços públicos se mantém em um índice baixo: 35,2%. Especialistas e associações de deficientes visuais e físicos apontam que a baixa fiscalização das calçadas e a falta de planejamento prejudicam os transeuntes, especialmente aqueles com mobilidade reduzida.
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Os dados fazem parte do Censo Demográfico 2022, dentro do estudo sobre Características Urbanísticas do Entorno dos Domicílios, e foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última semana. No levantamento, são analisados dez quesitos, como a existência de calçada ou passeio, de obstáculos nas caladas e de rampas para cadeirantes, além da capacidade de circulação e pavimentação da via, existência de bueiro ou boca de lobo, iluminação pública, pontos de ônibus e van, vias sinalizadas para bicicletas, e arborização.
A capital goiana se destaca como aquela com o maior índice de calçadas e o terceiro maior de rampa para cadeirantes. No primeiro quesito, Goiânia alcançou 98% dos moradores que vivem em vias públicas com a existência de passeios. Nesse caso, contudo, não analisa se tais locais têm boa conservação. Contudo, no quesito de obstáculos, o município registrou dois terços dos residentes com calçadas inadequadas, ocupando a 13ª colocação (da melhor para a pior). Analisando os índices de rampas, perde apenas para Campo Grande (MS), com 55,7%, e Curitiba (PR), com 40,5%.
Coordenador operacional do Censo 2022, Daniel Ribeiro comenta que os obstáculos levantados pelo estudo se referem a postes, árvores, buracos e declives, entradas irregulares ou outros elementos permanentes que atrapalhem a circulação. "É um índice alto de obstáculos, que deixa a desejar. É um poste, uma árvore, uma calçada onde alguém faz uma rampa com um declive e chega ao local e tem esse obstáculo, uma erosão ou um buraco que não foi consertado. Às vezes, tem poste entre o meio-fio e o muro e não cabe uma cadeira de rodas, por exemplo", explica.

Entulho vira barreira para deficientes visuais em caminho tátil na Rua 84, no Setor Sul ( Wildes Barbosa / O Popular)
Na presidência da Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás (Adveg), Adelson Alves convive diariamente com as dificuldades de locomoção nas vias urbanas da capital e garante: "Já foi menos complicado andar por Goiânia". Para ele, além dos obstáculos levantados pelo Censo e que impactam na trafegabilidade de pedestres, há ainda outros empecilhos que sequer são levantados no estudo. Dentre eles, há elementos provisórios, como veículos estacionados em locais inadequados e o uso das calçadas por estabelecimentos comerciais para disposição de mesas. Há ainda a ausência ou disposição irregular de pisos táteis que impactam no trânsito de deficientes visuais.
"Têm caminhos táteis que levam direto para o poste. Isso não faz sentido nenhum. Outro fator é a conservação, com piso esburacado ou destruído. Precisa ser revitalizado e principalmente ter uma fiscalização mais atenta quanto à disposição de automóveis e coisas tais que impedem o uso (dos caminhos táteis). Falta gestão para levar demandas específicas e falta fiscalização com conhecimento das peculiaridades dos públicos. Agora não tem de fazer mais lei, tem de cumprir (a lei)", comenta Alves.
Conforme ele, não existe "preocupação com o pedestre". "Não é só para o deficiente visual. Nossa tese enquanto movimento é que tem de ser bom para todo mundo para ser bom para nós, mas o que a gente percebe é que a cidade está em estado de abandono, buracos, calçadas mal conservadas e mato alto. É uma coisa inacreditável, especialmente em certas regiões em periferias. Há lotes baldios sem o devido cuidado de cerca, de calçamento, uma total ausência de fiscalização. E piorou porque ficamos praticamente quatro anos sem gestão de mobilidade em Goiânia", complementa.
Agente administrativa na Associação dos Deficientes Físicos do Estado de Goiás (Adfego), Débora Carvalho vê melhorias nos últimos anos, mas comenta que "ainda falta muito para ter uma acessibilidade adequada para cadeirantes". "Têm setores onde faltam rampas, há calçadas muito danificadas, com buracos, raízes de árvores expostas. Na maioria das vezes temos de transitar nas ruas, junto com os carros. Acaba que viramos um veículo, correndo o risco de sermos atropelados. Têm calçadas que há rampa em uma parte, mas no final não tem, e então temos de pedir ajuda ou voltar para descer. Têm rampas muito inclinadas, que a gente não consegue subir, e também veículos que ficam estacionados em cima das rampas, que é o que mais acontece", exemplifica.
O docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG), Bráulio Vinicius Ferreira, observa que, com a presença de obstáculos nos locais destinados aos pedestres, além de uma falta de arborização adequada -- especialmente nos períodos de seca --, as pessoas optam pela utilização de automóveis em detrimento de percursos a pé, mesmo naqueles em curtas distâncias. "A qualidade do piso, arborização e sombreamento, e a iluminação no período noturno impactam. Precisa garantir uma acessibilidade em todos os horários. E, quando sai, vai andando pela rua, o que oferece risco para a saúde pública", acrescenta.
Para ele, "a mobilidade fica reduzida porque não tem fiscalização efetiva" para as calçadas. Conforme o docente, a responsabilidade pela construção dos passeios, que hoje é dos proprietários dos imóveis, deveria ser repassada ao poder público para garantir uma padronização. "Se entrega a rua (pavimentada), por que não entrega a calçada também? A lógica nossa está muito centrada no automóvel, com a rua sendo algo privilegiado", opina.
Fiscalização
O conselheiro e membro da Comissão Especial de Política Urbana e Ambiental (CPUA) do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), David Finotti, cita que a expansão rápida e desordenada das grandes cidades levou a problemas em relação às calçadas, como estreitamento, existência de postes, lixeiras e árvores inadequadas para o espaço. Contudo, cita, com a ausência de incentivos aos proprietários dos imóveis e com a falta de fiscalização efetiva, há dificuldades para garantir avanços efetivos aos pedestres. "Precisa criar incentivos para regularizar as calçadas, como redução do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Calçada não é luxo, é obrigação."
Para o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea-GO), Lamartine Moreira, foram observados avanços em relação à acessibilidade no meio urbano. Mas, pontua, "ainda temos muito a avançar". "E no que temos executado percebemos que, apesar de ter a calçada, ela não está de acordo com as normas técnicas. Muitas vezes se faz por fazer, porque não tem ninguém conferindo para receber essa execução. Tem piso tátil que 'morre' em cima de poste, de caixa de telefonia, de uma árvore. Deveria ser mais fiscalizado, ainda está muito falho", diz.
O diretor de fiscalização da Secretaria de Eficiência (Sefic) de Goiânia, João Peres Teodoro Rodrigues, garante que a pasta realiza uma fiscalização constante sobre as calçadas. "Em qualquer projeto, qualquer obra, a vistoria observa em relação à calçada (se foi cumprido) o código de identificações, a Norma Brasileira (NBR) 9050 que regulamenta as calçadas. Em qualquer estabelecimento que vai requerer alvarás de localização e funcionamento de qualquer atividade comercial, também é feita uma vistoria e ela deve obedecer as normas de calçada. Além das reclamações que a gente recebe e faz a fiscalização, de calçada irregular, rebaixada totalmente, com desnível, ocupação. A fiscalização é intensa em relação a isso."
Projeto buscava responsabilizar Prefeitura
Em dezembro passado, a Câmara de Goiânia aprovou um projeto de lei complementar que repassava à Prefeitura a responsabilidade pela construção, manutenção e adaptação das calçadas. De autoria do então vereador Paulo Magalhães (UB), o projeto determinava a criação de um projeto próprio de padronização das calçadas, atendendo a critérios de acessibilidade. A cada ano, a administração pública também ficaria responsável pela construção ou reconstrução de 5% do total de quilômetros das calçadas existentes, com um prazo máximo de 20 anos para conclusão das obras, contados a partir de janeiro deste ano.
Logo no primeiro mês de mandato, o prefeito Sandro Mabel (UB) vetou o projeto sob a alegação de que o mesmo trazia "disposições sujeitas à iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo" e "previsão de gastos adicionais ao poder público sem a realização de estudos de impacto orçamentário e financeiro a essas novas despesas". O veto integral foi publicado no Diário Oficial do Município (DOM) do dia 23 de janeiro. No dia 8 de abril, a Câmara de Goiânia comunicou à Prefeitura que o Legislativo mantinha por "maioria em única votação, em sessão ordinária" o veto integral ao autógrafo de lei complementar 10/2024.
A legislação vetada buscava alterar as leis complementares 324/2019 e 364/2023, que trata sobre a construção, modificação, adaptação e manutenção, dentre outras intervenções, às calçadas em Goiânia. Pela primeira lei, os proprietários são responsáveis por "construir, adaptar e manter em bom estado a calçada", observando requisitos de acessibilidade, segurança e desenho adequado. Para intervenções nos espaços, o dono do imóvel deve requisitar autorização à Prefeitura e deve finalizar a obra em até 30 dias, sem que esta atue na obstrução total da calçada. Já a segunda lei trata especificamente sobre o código de obras e edificações.
