Sim, esses maravilhosos homens do século 21 e sua linda capacidade de amar.

E antes eles não eram maravilhosos?

Não dessa forma que é possível hoje e, boa notícia, está se generalizando.

Mas tem tanta violência contra a mulher, tantos bêbados espancadores, tantos pais que abandonam os filhos que colocaram no mundo.

É verdade! Não há como negar, mas eu também estou fazendo uma denúncia: tem muito homem maravilhoso por aí que ninguém, nem eles mesmos, reconhecem o fato e muito menos as mulheres.

Vamos nos situar?

Antes, era o patriarcado que está há algumas décadas dando os sinais de estar acabando. É o fim do reinado dos homens?

Nem é exatamente de reinado que se trata. Era um mundo que se organizava pela obediência a ideais, modelos, por padrões que propiciavam a conexão entre seres humanos tão necessária a nossa sobrevivência enquanto membros de um grupo que nos recebe, protege e garante a nossa sobrevivência se dele continuarmos a fazer parte.

Nesse tipo de organização social cada gênero tinha ganhos e perdas no exercício de seu papel. Ao homem era dado o papel de potente e à mulher de dependente e obediente, para falar da regra e não das exceções, que sempre existiram.

Como de fato mulheres sempre foram potentes em vários quesitos e nem sempre os homens eram merecedores do estandarte de potência que a cultura lhes colocava nas mãos, e, já que eram os detentores do poder, suas mulheres muito frequentemente os sentiam como o culpado de toda a sua desgraça.

A relação de casal era, no mais das vezes, uma relação mais de disputa, mesmo que camuflada, do que de parceria.

Homem que era homem não podia mostrar fraqueza etc. etc.

Homem que é homem hoje tem feito coisas lindas, como aquele pai que, com sua barriguinha de chope vai a apresentação do Dia dos Pais da sua pequena filha, vestido de saia de tule de bailaria e dança na “ponta dos pés” com a filhinha para o aplauso enlouquecido da plateia composta de muitos pais. E também aquele que se ajoelha para cantar com o filho de 4 anos música que emociona outras crianças que lhe pedem para cantar com elas também.

Na casa da maioria das minhas amigas, são os maridos que pilotam o fogão com alegria e criatividade nos fins de semana e às vezes durante a semana também.

Grandes companheiros no cuidado dos filhos. Minha costureira me dizendo do imenso respeito que tem tido pelos muitos pais que levam as roupas dos filhos da serem consertadas, numa postura de carinho e cuidado.

E aqueles homens que usam barba, cerrada e bem cuidada. Temos uma enxurrada de homens fazendo isso porque sabem que agrada às mulheres. Alguns o fazem meio sem graça, mas se rendem ao seu desejo de agradar para serem amados. Acho comovente!

Fiz, recentemente, uma enquete entre amigas, inclusive as sessentonas, perguntando se elas achavam os homens mais “bons de cama” hoje, e, resultado: os homens hoje são muito mais (pre)ocupados com o prazer da mulher com a qual está na cama. E também são muito mais competentes e generosos no sexo.

Gente acorda!

Os homens melhoraram muiiiito!

Esses maravilhosos homens do século 21 são capazes de amar melhor!

(Luciene Godoy é psicanalista)

Esses maravilhosos homens do século 21

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"Indústria da saúde"

Em uma troca de whatsapp, a conhecida jornalista, hoje psicanalista, que foi editora do caderno Almanaque neste jornal, Valéria Belém, que escreve mergulhada no mundo/pensamento infantil – dado importante para o argumento que vou aqui desenvolver –, a própria me escreve na mensagem “Comprei o livro do gostoso Lacan”.

Choquei!

Eu chamava Lacan de gostoso para mim mesma, escondida entre quatro paredes, mas alguém jogar essa frase absurda (pois ele é complicadíssimo, não é?) no mundo me fez desabrochar.

Sim, Lacan é gostoso! Mas por quê?

Porque ele fala, ele se comunica no “modo piada”.

Você nunca ouviu falar no “modo piada”? Não me surpreendo, mas ele está proposto em seu penúltimo Seminário, o número 24, cujo título é intraduzível em português e inexplicável em francês.

Inexplicável porque piada não se explica. Ou você tem uma sacada com o conhecimento prévio do tema, para poder perceber a surpresa de um novo pensamento que é apresentada no modo piada, ou a sacada e a risada da descoberta de algo novo/desconhecido no velho/conhecido não vai pintar.

Ao contrário do que se pensa, Lacan não deixa o “Outro gozar dele” – o que significa a linguagem imposta pela cultura, a do dicionário que dá definições precisas e fixas – ele “goza do Outro”. Ele, como um artista que produz um quadro, produz uma fala única, rica, imprevisível e reveladora de novas realidades.

É muito falada (e nem um pouco vivida no meio psicanalítico), a frase do convite que ele faz a seus “seguidores” (será que o seguem mesmo?), para “darem de si” ao tomarem o que ele falou.

“Dar de si” é não copiar, não repetir de maneira acéfala, como fazem os idiotas. É ter a coragem de inventar, de acrescentar ou tirar, com aquilo que é só seu e presentear o mundo com mais um pensamento, uma percepção única.

Repetir é espelhar e Lacan falava incansavelmente contra a colagem imaginária, o tomar-se através do outro, o gozar com a imagem do outro. Daí vocês podem imaginar a minha surpresa quando, a fim de comprar um livro, buscando o endereço de uma das mais prestigiadas instituições lacanianas – que publica em paralelo aos livros autorizados por Lacan –, os mesmos seminários que se apresentavam com todas as capas iguais, para não modificarem, colocando de si, a obra imutável do grande mestre. Me descobri atônita, no meio da rua, sem acreditar no que via.

Choquei!

O consultório no qual ele atendeu durante 40 anos se encontra na Rue de Lille, número 5. Eles conseguiram encontrar, ali, bem coladinho, na Rue de Lille, número 25, um lugar para se reunir e continuar fielmente a obra do mestre. Logo ele que tinha, dolorosamente, dito sua famosa frase, transformada em texto “Eu estou falando com as paredes”.

Pobre Lacan, faltaram a ele companheiros de farra, de brincadeira, para entender suas piadas, suas sacadas inteligentíssimas, mas deixadas no ar para cada um sacar por si e dar suas risadas da teoria lançada no seu “modo piada”.

Lacanianos arrogantes, franceses e/ou brasileiros, imersos no prestígio do “eu sei o que você não tem a capacidade de entender”, são peças comuns no meio psicanalítico. A meu ver, eles velam um Lacan morto nas suas instituições.

Vejo-os com seus livros de catecismo lendo feito autômatos ao redor do caixão do mestre Lacan, enlouquecidos pela paixão de um saber complexo que dá status.

Lacan só está morto para quem se fecha nas igrejinhas, mas ele é gostoso feito João Guimarães Rosa, de uma degustação que vai além, que explode no “modo piada” de teorizar e falar da vida.

Não comprem a ideia da inacessibilidade do pensamento lacaniano. No século 21 já temos pessoas falando claro, conciso e pertinentemente.

Sim, Lacan é gostoso!

Degustem com/sem moderação!

Luciene Godoy é psicanalista

Por que Lacan é gostoso

Como vocês podem constatar, virei a frase ao contrário. O conselho jocoso de amigos bem-humorados quando nos veem em situações de sofrimento, logo sacam a frase conhecida: “Aceita que dói menos”.

Ora, ora, aceitar os elogios todo mundo busca e aceita de bom grado. Porém, olhando mais de perto podemos constatar que não é bem assim.

Queremos, sim, agradar, ser reconhecidos, aceitos... valorizados, enfim, mas daí a ter a coragem de, de cara lavada, admitir e aceitar o elogio é coisa para descarados.

“Que desperdício de bem-estar!” é o que posso dizer desse nosso costume antigo de demonstrar nossa modéstia negando nossas qualidades – puro fingimento social, diga-se de passagem –, porque tudo fazemos para termos valor e depois desvalorizamos o valor quando ele vem.

Jogamos no lixo a recompensa buscada e não entendemos por que nos sentimos mal dentro da nossa pele, nos cobrimos de dúvidas atrozes a respeito de nossos atos e de dolorosas críticas infindáveis.

Vivemos famintos do reconhecimento de quem somos pelas pessoas com as quais vivemos e quando chega a comida tão esperada, veja bem, aquela comidinha gostosa pela qual lutamos, sem percebermos e sem uma garfada sequer, a jogamos direto no lixo com as frases de quem não quer nada: “Imagina, isso não foi nada”, “Você é tão generosa” e outras do gênero que funcionam como apagador em quadro escrito. Não sobra nenhuma mensagem.

Lá se vai o seu colar de pérolas almejado, o seu sapato lindo cobiçado, tudo que o faria sentir valorizado jogado no lixo.

Parece tão bobo, não é? Mas é assim que empobrecemos nossa estima por nós mesmos, reduzimos sempre a zero e recomeçamos a subir o monte com a pedra que dentro de pouco tempo nós mesmos rolamos para baixo para começar tudo de novo. Assim, nunca usufruímos dos frutos de nosso esforço. É plantar e plantar sem nunca colher.

Fome crônica sustentada por esse ato.

E tudo isso para não perder o respeito dos outros que o acharão desavergonhado. Isso era verdade no século 20, hoje no século 21, a palavra autenticidade tem ganhado outro peso, e que bom!

Que bom porque, a meu ver, nos permite gostarmos mais de nós mesmos (antes tínhamos que pensar sempre primeiro em nosso grupo) e mostrar que gostamos e que temos valor.

Isso vai transformar o planeta em um mundo de cabotinos? Não. Vai construir um mundo de pessoas menos infelizes com o que são.

Aceita os elogios e construa a linda colcha de retalhos, soma de todos os nossos traços identitários, o que nos faz seres únicos, modestas obras de arte, mas uma obra, um feito e de esforço, de invenção, de arte.

Aceita os elogios que lhe são dirigidos e sofra menos com o massacre do Supereu exigidor de perfeição!

Aceita os elogios, receba os presentes que a vida lhe dá, respire uma vida mais livre, leve, solta e sinta-se feliz dentro da própria pele – uma pele elogiada, valorizada!

Luciene Godoy, psicanalista

Aceita o elogio que dói menos!

luciene godoy

Chego ao aeroporto de Goiânia para depositar a bagagem e faço contato visual com a última pessoa no fim da fila. Nossos olhos se cruzam, o sorriso brota em seguida e em segundos dois rostos iluminados se encontram em franca comunicação.Eu pergunto meio jocosa: “Esta é a fila dos ‘premium’, mas eu não sou ‘premium’, não tenho privilégios. Só que não tem outra, então vai essa mesmo.E ela, sorrindo, sem perder o timing da piada responde: “Tem, sim. Nós temos o privilégio de termos passado pela pandemia e estarmos vivas, bem e viajando”.Levantei as mãos, ela também e espocou no ar o som do aplauso de duas palmas vindas de dois corpos diferentes que pareciam um só naquele momento. Daí engatamos em uma gostosa conversa que durou os 10 minutos necessários para que a fila circunvoluntória fosse minguando até que, nos abraçamos e ela foi para o guichê dela e eu para o meu.Nos separamos as duas com novos circuitos de informações em nossos cérebros, trocas afetivas, profissionais, divertidas, sérias, úteis, enriquecedoras. Saímos maiores, mais ricas, mais felizes.De outra vez, aqui também em Goiânia, eu aguardava uma amiga na área de desembarque, virei de lado e, ligação imediata! Começamos a falar da espera para ver pessoas queridas que pode ser tão gostosa e terminamos trocando receitas de bolo de mandioca, numa intimidade grande não vista como possível em um espaço tão curto de tempo.E as histórias de banheiro, então! Em São Paulo desta vez, estou eu escovando os dentes, com minha mochila sobre a pia, tentando desajeitada e inutilmente puxar o papel toalha. Uma senhora que acaba de entrar e ver aquela cena esdrúxula, fala brincando “Êita dificuldade!”, e imediatamente me ajuda girando o botão lateral. O papel cai na minha mão e eu digo brincando “Você salvou minha pele!”. Nos despedimos as duas rindo ruidosamente, felizes da vida.No Brasil isso é normal!Por quê?Quem responde é um motorista de táxi muito inteligente que me levou do Aeroporto Charles de Gaulle até o centro de Paris.É que eu adoro bater papo com motoristas de táxi. Para mim eles conhecem a alma das cidades, são pontos de convergência da diversidade humana.Ele vai me falando do que cada nacionalidade tem nos modos de agir que as caracteriza e imediatamente recita uma lista com suas impressões de cada povo.Eu o pego no contrapé quando pergunto de chofre: “E nós os brasileiros, o que nos caracteriza?Ele estacou alguns segundos, sério, de repente abre um sorriso e diz com voz forte, quase gritando, como um arauto: “Brasileiro se conecta!”.A capacidade comunicacional é característica muito requerida no século 21! E nós a temos para dar e vender!É! Brasileiro é assim!Somos seres conectantes!

Brasileiro é assim!

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