É incrível que “O Retorno” esteja em cartaz. No contrafluxo dos filmes em voga, ele é sombrio, lento, tem falatório demais e ação de menos, um roteiro mais antigo que o Antigo Testamento, o mocinho e a mocinha são sessentões sorumbáticos.

Quem retorna às telas é Ulisses, o saqueador de Troia, e Penélope, a impecável. Ele se finge de pedinte para assuntar como vão as coisas em Ítaca depois de vinte anos ausente. Ela embroma os que lhe cobiçam o reino e o corpo, aos quais prometeu entregar-se quando acabar a mortalha que tece na algaravia do dia, mas desfaz na calada da noite.

O casal real é interpretado pelo inglês Ralph Fiennes e a francesa Juliette Binoche, que em 1996 haviam contracenado em “O Paciente Inglês”, ganhador de nove estatuetas do Oscar. Entre os filmes de destaque naquele ano estavam “Veludo Azul”, “Hannah e suas Irmãs”, “A Missão” e “Platoon”.

Uma catadupa de fitas sublimes bem que pode irromper até dezembro, mas hoje a lista dos melhores teria “O Brutalista”, “Mickey 17”, “Uma Família Normal” e até “Fórmula 1”. Pior: o que houve de mais marcante foram as sequências de “Trainspotting” a “Super-Homem”, de “Jurassic Park” a “Missão: Impossível”. Neurose é repetição, Freud diria.

O cinema era outro há 25 anos. O destino dos filmes é hoje a televisão, onde passam em canais pagos. Só a Netflix tem 300 milhões de assinantes. As salas perdem público desde os anos 1960, primeiro para a televisão, depois a internet e em seguida o streaming. A peste abateu a fundo a audiência, que não voltou aos patamares prépandemia.

Desde Méliès, os filmes eram avaliados pela bilheteria e a repercussão cultural. A venda de ingressos media a lucratividade. O impacto na consciência coletiva advinha do teor das resenhas na estreia e do juízo dos críticos ao longo dos anos. Um avaliação era objetiva e a outra subjetiva, e ambas moldavam indiretamente a produção de novos filmes. Não é mais desse jeito.

A Netflix sabe onde e que horas os filmes são vistos; em qual minuto são interrompidos para que a pessoa vá ao banheiro; estabelece a duração de filmes e séries com base na relação custo-benefício. São informações instantâneas, tabuladas e comparadas minuciosamente. Os relatórios de feedback orientam e detalham os filmes que virão a ser produzidos: o que os roteiristas têm de escrever, como os cineastas devem dirigi-los, qual será o marketing. Os algoritmos dão a palavra final.

A produção assentada no que o público está acostumado a ver gera filmes cujo objetivo é anestesiar. Eles são genéricos, brandos, previsíveis, hostis à arte e ao pensamento, convencionais, esteticamente conformistas. São mercadorias na forma de filmes, obras automáticas para gente automatizada.

Há exceções, e “O Retorno” não é uma delas. Como outrora, agora e na hora de nossa morte, é tão somente um filme tolo. O diretor Uberto Pasolini, conde que descende de Visconti, e não de Pasolini, teve à disposição um belo orçamento e um bom elenco, filmou em terras e mares gregos -e malbaratou uma obra-prima que faz sucesso há 2.700 anos.

Afora “Ulysses” de James Joyce, as adaptações de Homero não dão sorte. A penúltima hecatombe foi “Troia” com Brad Pitt, que é tão expressivo quanto um bife. Apesar do rufar dos anúncios, o filme estava mais para torneio de fisiculturismo ou luta de MMA do que para a “Ilíada”.

A “Odisseia” conta a viagem de Ulisses de volta para casa depois da guerra de Troia. São dez anos de aventuras: Calipso quer torná-lo imortal, Circe transforma seus marinheiros em porcos, as sereias querem seduzi- lo com seu canto mortífero. “O Retorno” se restringe aos 41 dias que se seguem à sua chegada a Troia. Só encontra problemas.

Ninguém o reconhece, apenas Argos, seu cachorro. São 108 os concorrentes ao trono e a Penélope. Seu filho único, Telêmaco, acha que ele abandonou a família para ficar com uma sirigaita.

A tradição batizou essa última parte da “Ilíada” de “Nostos”, palavra que quer dizer, justamente, retorno, mas não somente. Nostos está na raiz de nostalgia, que no grego de Homero não significava saudade: nomeava o doloroso desejo de retornar a uma emoção morta e enterrada.

“O Retorno” não tem essa complexa combinação de sofrimento e vontade, do passado que se quer presente. O filme se centra no massacre dos pretendentes à coroa. O sentimento dominante é a vingança, exercida sem deuses, heróis e a épica poesia homérica, e sim com a bárbara violência do cinema atual.

Mario Sergio Conti, jornalista, é autor de ‘Notícias do Planalto

Homero morto e enterrado

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Mario Sergio Conti

O Brasil é um dos países com maior potencial para liderar o debate ambiental no cenário global, pois dispõe de vastos recursos naturais e ambientais relacionados ao tema. No entanto, perde a oportunidade de consolidar esse protagonismo por não ter construído uma agenda que reflita os desafios ambientais atuais e futuros, além de não demonstrar um compromisso consistente com as questões ambientais.

O país se prepara para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30, que será realizada em 2025, em Belém. As dificuldades enfrentadas pela capital paraense refletem não apenas o despreparo da cidade para acolher o evento, mas também o atraso estrutural do Brasil em suas políticas ambientais. Um exemplo claro é o saneamento básico: apenas cerca de 20% da população de Belém conta com acesso à rede de esgoto.

A escolha da localização também expõe um paradoxo ambiental. O estado do Pará abriga as maiores minas de ouro ilegais do país, que contaminam rios e destroem vastas áreas de floresta. Além disso, uma das metas centrais da COP30 será enfrentar o desmatamento, as queimadas e a necessidade de promover um agronegócio sustentável no Brasil e em outras nações com florestas tropicais. No entanto, o Pará registrou, em 2024, um desmatamento de 1.271 km² — uma área equivalente a quase duas cidades de Nova York.

Outro ponto fundamental é o avanço na transição para fontes de energia renováveis, equilibrando a segurança energética com a redução das emissões de gases de efeito estufa. Apesar disso, o governo federal planeja explorar petróleo em uma área marinha sensível e ainda pouco estudada na região, o que vai na contramão das discussões esperadas na conferência.

Acompanho os eventos ambientais internacionais desde a Rio-92, também conhecida como Eco-92 ou Cúpula da Terra, que resultou em documentos importantes como a Carta da Terra, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Agenda 21. Esse evento colocou o Brasil no centro do debate ambiental global.

Estive também, em 2015, na COP21, em Paris, que estabeleceu metas para a redução das emissões de gases de efeito estufa, com o objetivo de limitar o aquecimento global. Mais de 190 países participaram da conferência, e a maioria deles aderiu ao Acordo de Paris.

Desde 1992, no entanto, o Brasil tem perdido protagonismo no debate ambiental. Hoje, não contamos com uma liderança cuja voz ressoe com força no cenário internacional. A ministra Marina Silva, por exemplo, não se atualizou e continua propondo soluções que já não se encaixam nos modelos sustentáveis exigidos pelo mundo atual.

O mundo, de forma geral, não fez seu dever de casa desde 1992 — e Belém está prestes a mostrar ao mundo que o Brasil também não cumpriu as metas que traçou para si mesmo.

Vilmar Rocha, professor sênior de Direito da UFG, sócio honorário e efetivo do IHGG e fundador presidente do Instituto Vilmar Rocha de Estudos Políticos

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

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COP 30: oportunidade perdida

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Vilmar Rocha

No Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio, vale a reflexão sobre o crescente número de pessoas que desabafam com chatbots sobre dor, ansiedade e ideação suicida. Recentemente, uma mãe fez um relato comovente ao jornal The New York Times sobre a filha, que, em sofrimento psíquico, passou meses conversando com um bot apelidado de “Harry”.

Ele oferecia acolhimento constante, paciente e sem julgamento, qualidades que, paradoxalmente, ocultaram a gravidade da crise e transformaram a “companhia” de IA numa armadilha silenciosa. Quando a máquina simula proximidade, a conversa vira caixa-preta, pois familiares e profissionais deixam de perceber a escalada do risco, e a pessoa em crise aprende a esconder justamente o que mais precisa ser dito. Algoritmos são bons em parecer empáticos, mas podem ignorar o cumprimento de obrigações clínicas que salvam vidas.

Nos Estados Unidos, a reação começou. O fio condutor é simples: IA não é terapeuta. Ferramentas conversacionais podem orientar sobre rotinas e oferecer links úteis, mas não substituem avaliação clínica, manejo de crise ou protocolos de segurança. Por isso, os estados vêm exigindo transparência, limites de uso, rotas de encaminhamento e intervenção humana, além de responsabilidade sobre dados.

Entre os avanços, o estado de Nova York aprovou uma lei que entrará em vigor em novembro, com salvaguardas inéditas para os “companheiros de IA”: os sistemas devem avisar aos usuários reiteradamente que não são humanos e, fundamentalmente, ter protocolos para detectar sinais de autoagressão, interrompendo a conversa para encaminhar o usuário a serviços de crise.

Essas medidas miram a ‘AI psychosis’, em que o uso prolongado de chatbots pode levar à perda de contato com a realidade, reforçando que a IA não é a causa direta, mas amplifica vulnerabilidades já existentes. Não se trata de demonizar a IA, mas de evitar que seja confundida, na prática, como substituta da rede humana de cuidado – isto é, dos profissionais de saúde mental -, sobretudo entre jovens.

E o Brasil? Temos avanços relevantes, como a LGPD e o PL 2.338/2023, que prevê princípios de uso ético da IA, regulação por risco, transparência e supervisão humana de decisões automatizadas. Em 2025, Goiás sancionou a Lei Complementar nº 205, um marco estadual de IA com governança ética, sandboxes regulatórios e incentivo à inovação responsável.

São passos significativos, mas à luz das experiências americanas, falta colocar a saúde mental no centro, tornando obrigatórios avisos claros, interrupção do diálogo diante de sinais de risco e encaminhamento imediato a serviços como o CVV.

A mãe que escreveu ao jornal The New York Times não pede bodes expiatórios, pede responsabilidade, de governos, empresas e da sociedade. O Brasil também precisa ter políticas concretas, transformando princípios em regras operacionais para que a IA seja ponte para a ajuda humana, nunca muro entre a dor e quem pode, de fato, salvá-la.

Lorena Bittencourt , promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) com atuação na área da Saúde

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

IA não é terapeuta

Lorena Bittencourt 

Mais uma vez, o secretário de Infraestrutura, Adib Elias — a “rainha da Inglaterra” do governo Caiado — distorce os fatos e tenta, como o governador, se apropriar de obras e de projetos das gestões anteriores. A realidade é simples: nenhum governista consegue apontar um único projeto ou programa criado pelo atual governo.

O secretário ataca governos que de fato transformaram Goiás. Foi o PSDB que implantou o Vapt Vupt; o Renda Cidadã; o Bolsa Universitária; o Cheque Moradia; o Cheque Reforma; o Restaurante Cidadão; o Banco do Povo; a UEG. Também construiu hospitais como o CRER, o Hugol, os Regionais de Anápolis, Trindade e Uruaçu, dentre outros, além do Hospital do Servidor e dos Credeqs, e reabriu o HGG, fechado pelo MDB.

Garantimos água para a região metropolitana de Goiânia por 50 anos com o Sistema Mauro Borges, pavimentamos mais de 4 mil km de estradas, duplicamos 360 km, iluminamos 200 km e reconstruímos 6 mil km de rodovias, inclusive as de péssima qualidade e sem acostamento construídas pelo MDB — tudo com licitação e transparência.

Hoje, em contraste, Caiado só constrói o Hospital Cora, entregue a um compadre sem licitação e com um custo superior a R$ 2,5 bilhões. E o governo também contrata obras rodoviárias sem licitação e com denúncia de preços superfaturados, como o anel viário de Pires do Rio.

Na área fiscal, a diferença é gritante. Segundo O Popular, o governo acumulou déficit de R$ 640 milhões no 1º semestre, sem obras ou investimentos. Quando o PSDB assumiu, em 1999, herdou do PMDB folhas de pagamento em atraso e a maior dívida proporcional do país — 3 anos e meio de receita para quitá-la. Esse índice caiu para 0,9 ao fim das nossas gestões. Com o programa de atração de investimentos, elevamos o PIB de R$ 17 bilhões para mais de R$ 220 bilhões, colocando Goiás entre os que mais cresceram no Brasil.

Enquanto isso, o atual governo troca nomes e cores de programas e superfatura obras. Com o calote que esta gestão deu na dívida estadual, o saldo devedor saltou de R$ 18 bilhões em 2018 para R$ 30 bilhões em 2024. Essa bomba cairá no colo do próximo gestor. O atual governo mente e vende como conquistas suas o 1º lugar no Ideb, conquistado em 2013, nos governos Marconi.

Ninguém na atual gestão tem condições de nos atacar. Nossos governos foram investigados como nenhum outro: sigilos quebrados, denúncias analisadas e julgadas — todas sem condenação. Já o atual governo, blindado politicamente, trava apurações, troca delegados no meio de investigações e acumula escândalos.

Hoje, Goiás cresce por inércia, enquanto Mato Grosso e Mato Grosso do Sul já nos ultrapassam. O futuro exige mais que propaganda: pede projetos sérios para mais 20 anos de desenvolvimento, como os que implantamos a partir de 1999 — todos mantidos pelo atual governo e que ainda sustentam o crescimento do Estado.

Gustavo Sebba, deputado estadual e presidente do PSDB em Goiás

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Futuro exige mais que propaganda

Gustavo Sebba

O mau hálito, ou halitose (chamado pejorativamente de bafo), pode ser o sintoma de diferentes problemas na boca e mesmo no resto do corpo. É complicado conversar com uma pessoa que tenha um bafo de onça, como se diz popularmente, e tem um cheiro podre na boca, parecendo chiqueiro. Não sentir o mau cheiro do próprio hálito é uma situação bastante comum. Isso ocorre devido a um processo fisiológico de adaptação chamado Fadiga Olfatória.

Muitos políticos, ao falar em discurso ou entrevista e até em conversas, soltam muita baforada fedida e podre; podemos assim definir e comparar analogicamente. Mentem descaradamente e falam cada asneira a todo momento e conversam abobrinha o tempo todo. São usurpadores porque não cumprem o que prometem, desrespeitando seus eleitores. Agem com demagogia.

Existem os corruptos, que são os criminosos de uma sociedade. Roubam, matam e atravancam o progresso de uma nação. Outros, abusam de suas posições para sustentar o poder, status, riquezas e ainda são gazeteiros. Alguns falam bobagens e besteiras o tempo todo. Arrotam arrogância em suas falas descabidas. Usam de frases polêmicas para aparecer. Agem como moleques em seus comportamentos.

Todos esses são os que têm o bafo apodrecido e que entopem o nariz do ouvinte e cujas auscultações ficam em estado de putrefação. Rui Pires, um tripulante de ambulâncias, em um artigo definiu bem: “O direito à asneira é uma bênção. Permite-nos experimentar, explorar ideias e ver até onde vai a imaginação política, e, acima de tudo, ajuda-nos a identificar um idiota à distância”. Definição perfeita para se descobrir um imbecil.

Tem gente que fala demais e mostra pouco; ou seja, a política é cheia de falador e de quem gosta de conversa fiada. Há um ditado muito certo: “quem fala demais dá bom-dia a cavalo”, diziam os nossos ancestrais. Há pessoas que definem que palavra de político é igual a risco na água.

Ainda bem que não são todos os políticos que agem assim. Tenho alguns amigos na política que são probos e honestos e fazem um excelente trabalho. São sérios em seus comportamentos e falas. Nem vou nominar aqui porque não caberia neste texto. Muitos políticos nem conheço, mas sei que são admiráveis também em suas palavras.

O bom político é aquele ético e honesto, que luta pelos anseios da população, que está presente na sociedade que o elegeu, que dá resposta de seu trabalho, que não abandona suas bases e justifica o salário e benesses que ganha sendo representante do povo. Assim, baforada fedorenta, com todo o respeito, são como palavras chulas, mentirosas, ardilosas, trapaceiras, indecentes, torpes, vis, ignóbeis e desprezíveis, etc., só servem para os canalhas e patifes.

Claro que não são somente os políticos nessa situação horrorosa. Em toda classe profissional e social há também os que soltam esse fedor. Infelizmente. Xô, baforada fedorenta.

Jesseir Coelho de Alcântara, juiz de Direito

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