Logo no princípio da minha carreira como promotora de Justiça, recebi do policial militar que realizava a segurança do fórum um controle do portão eletrônico que pertencia à “finada Rosa” (nome alterado para resguardar a memória da vítima). Perplexa, questionei-o sobre quem era a Rosa e o que havia acontecido com ela. Soube, então, que Rosa era recepcionista do Fórum, querida por todos, e que, há uma semana, havia sido brutalmente assassinada por seu ex-marido, com seis tiros, na frente da filha, em virtude de ele não aceitar o novo relacionamento da vítima. Ocorreram-me então sucessivos pensamentos: “nós, que trabalhamos no fórum diariamente com casos de violência doméstica, não conseguimos proteger a Rosa?”, “não havia sinais?”, “ninguém viu?”. Dois anos depois, eu fui a promotora que atuou no Júri relativo ao feminicídio da Rosa, pude conhecer o caso com profundidade e obtive grandes lições. Havia sinais claros da violência doméstica que a Rosa sofria, mesmo antes de terminar o relacionamento. Após o término, a violência apresentou escalada exponencial. Era, sim, previsível que o feminicídio aconteceria. Por que, então, não houve uma intervenção eficaz? Porque ninguém acreditou que ele teria “coragem” (ou covardia o suficiente) para fazer isso. Mas ele teve. Tantos outros têm.