O presidente Lula está cercado por todos os lados: agronegócio, mercado, importadores, exportadores, as tarifas de Donal Trump, Congresso, pelo menos quatro presidentes de partidos, direita, centro, parte da esquerda, um a cada três dos seis eleitores e, muito particularmente, as redes sociais. Lula perde o rumo e a mídia e sua maior ameaça vem do próprio PT: uma guinada à esquerda, num País e num mundo cada vez mais à direita, seria a pá de cal. 
 
Uma dura crítica a Lula é que ele replica Dilma Rousseff na economia, mas a sensação agora é ainda mais agoniante: a de que o processo de isolamento do seu governo repete o de sua antecessora petista, com o presidente trancado no Planalto sem entender o tamanho da crise, cercado de ministros batendo cabeça, entre ceder ou confrontar o Congresso e botando a culpa na comunicação e na mídia. 
 
Após a Quaest detectar que a desaprovação começava a ultrapassar a aprovação, o Datafolha não só confirma como mostra o quanto a queda é brusca: Lula tem o nível de bom e ótimo mais baixo de todos os seus mandatos. A oscilação em 2024, de 35% a 36%, despencou para 24%, enquanto o ruim ou péssimo, que ia de 32% a 34%, disparou para 41%. 
 
Com 17 pontos entre positivo e negativo, a pergunta que ronda o País é se Lula tem condições de recuperação até as eleições de 2026 -- não mais para a reeleição, que sai do radar, mas para fazer o sucessor, que ninguém sabe quem seria. A opção Fernando Haddad, que parecia, e era a melhor, esfarelou. 
 
Sem Lula e um nome para o lugar, o que resta para a esquerda? Não mais atrair o centro, como em 2022, mas apoiar o centro em 2026. Mas... o que é e quem é o centro? Existe um centro, depois do fim dramático do PSDB? E o PT tem pragmatismo e visão estratégica para apoiar alguém fora da própria bolha? Olhando a história, sempre foi "ou eu, ou nada". 
 
É assim que Lula, PT e governo derrotaram Bolsonaro e a extrema direita em 2022, mas estão empurrando a política brasileira para a direita, na onda internacional. A discussão é sobre qual será a direita beneficiária no Brasil dessa desordem mundial criada por Trump e dessa falta de rumo escancarada por Lula. A direita do Centrão ou a direita devastadora do bolsonarismo? 
 
Convém monitorar os passos de Gilberto Kassab, que tem um pé no governo Lula, com três ministérios do PSD, e outro no de São Paulo, como articulador político. E não é que, depois de criticar Lula e Haddad, ele acaba de bater um papo e trocar confidências e sorrisos com o ex-desafeto Jair Bolsonaro? A chance da esquerda seria dividir a direita, mas se não se consegue nem se unir?

Sem reeleição, sem sucessor

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Eliane Cantanhêde

Comércio de Goiás com os EUA

A tarifação de produtos importados, que o governo de Donald Trump já está impondo ou ameaçando a seus parceiros comerciais, pode ter reflexos na economia goiana. Produtos como o aço e o alumínio, por exemplo, serão taxados em 25% e Goiás é grande produtor de bauxita. O estado também pode ser prejudicado se houver taxação sobre as exportações de carnes e açúcares. Mas a política unilateral americana também pode gerar oportunidades de estreitamento das relações comerciais do Brasil com outros países.

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Goiás exporta mais carnes, minérios e açúcares para os Estados Unidos. Ainda não se sabe quais produtos podem ser taxados, mas especialistas alertam que essa política pode reestruturar as cadeias de fornecimento, com mudanças na rota do comércio exterior, pela tendência de busca de novos parceiros comerciais.&nbsp;

A analista de Comércio Exterior da Federação das Indústrias de Goiás (Fieg), Juliana Tormin, explica que o estado exporta cortes desossados e congelados para os americanos, que aplicam uma cota anual de 65 mil toneladas para carne bovina brasileira com tarifa zero. Vendas acima da cota são sujeitas a uma tarifa de 26,4%. Goiás também exporta carne de frango para os EUA com tarifas que variam conforme o tipo de produto e acordos comerciais específicos.&nbsp;

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O estado possui uma indústria significativa de ferroligas, essenciais para a produção de aço nos EUA. Produtos semimanufaturados de ferro ou aço não ligado já enfrentam uma tarifa de 7,2%. De acordo com a analista, os EUA estabelecem cotas anuais para a importação de açúcar, que podem ter tarifas reduzidas ou isenção. Volumes que excedem as cotas já estão sujeitos a tarifas muito elevadas.&nbsp;

“As tarifas de importação dos EUA variam conforme a categoria do produto e os acordos comerciais. Produtos do agronegócio, como carnes e açúcar, podem ter tarifas baixas ou serem isentos dentro de cotas específicas, enquanto industrializados, como ferroligas, geralmente enfrentam taxas mais altas”, explica. Se os EUA aumentarem as tarifas, a competitividade de produtos goianos no mercado norte-americano diminui, resultando numa possível queda nas exportações. “Isso afetaria setores estratégicos do estado, como o agronegócio e a mineração, trazendo desafios para a economia local”, alerta.

Por outro lado, segundo Juliana, há possibilidade de benefícios indiretos: se os EUA aumentarem as tarifas sobre produtos de concorrentes como China, México e Canadá, produtos goianos podem ganhar competitividade lá, abrindo novas oportunidades para as exportações do estado. Ela vê um potencial de crescimento para fabricantes de máquinas, equipamentos e peças industriais, caso as tarifas dificultem a importação desses itens da China e do México.&nbsp;

“Goiás possui um setor industrial diversificado, com capacidade para atender parte da demanda americana em segmentos como ferramentaria, peças automotivas, equipamentos agrícolas e bens de capital”, lembra a analista. Ela acredita que este cenário pode impulsionar novos investimentos e parcerias comerciais, fortalecendo a indústria local e ampliando as oportunidades de negócios.&nbsp;

Ao mesmo tempo, regiões como Ásia, Europa e Oriente Médio podem absorver parte das exportações goianas, diversificando destinos e reduzindo a dependência do mercado norte-americano. “A Gerência de Negócios Internacionais da Fieg oferece soluções para a abertura e expansão de mercados internacionais, fortalecendo a competitividade”, informa Juliana.&nbsp;

Segundo ela, a entidade busca ampliar oportunidades comerciais por meio da assinatura de Memorandos de Entendimento (MOU) com diversos países, facilitando o acesso das indústrias goianas a novos mercados e reduzindo os riscos da concentração de exportações em poucos destinos. Até o momento, já foram firmados acordos com Índia, Congo, Chipre e Taiwan. Novas negociações estão em andamento com Finlândia e Suécia.

Se o Brasil reduzir tarifas sobre produtos americanos, a indústria nacional enfrentaria maior concorrência de bens importados, afetando setores estratégicos como o automotivo, farmacêutico e de máquinas e equipamentos. Além disso, a redução de tarifas poderia desestimular a produção local de insumos. Por outro lado, a queda nos custos de importação beneficiaria empresas que dependem de máquinas, fertilizantes e produtos químicos importados, tornando a produção mais competitiva. “O desafio é encontrar um equilíbrio entre estimular a indústria local e garantir acesso a insumos estratégicos a preços competitivos”, diz.

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Commodities

Em Goiás, que produz bauxita nos municípios de Barro Alto e Santa Rita do Novo Destino, a mineração será a primeira impactada pela tarifa de 25% anunciada por Trump, pois as empresas americanas são compradoras do alumínio goiano. Para o presidente do Sindicato das Indústrias de Mineração de Goiás e Tocantins (Minde), Luiz Vessani, a tarifação pode aumentar o custo e reduzir o preço, afetando o mercado em Goiás.&nbsp;

Ele prevê o início de uma jornada intensa de negociações e que esses 25% serão ajustados numa nova ordem de relações econômicas. De qualquer forma, Vessani acredita que as perspectivas de exportações de minérios esfriaram e devem ficar aquém do previsto para 2025, pois rearranjos não acontecerão do dia para a noite.&nbsp;

Os EUA devem importar menos commodities e todo mundo deve buscar mercados alternativos, o que significa derrubar preços. “Mas o Brasil é campeão de custos de logística e impostos. Nosso produto tem baixa competitividade natural e é difícil colocá-lo no exterior”, alerta.

O presidente do Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados no Estado (Sindicarne), Leandro Stival, acredita que, neste momento, apesar das declarações de Trump, as diplomacias devem se entender, voltando à normalidade do comércio internacional. “Não acredito em taxação excessiva porque é uma carne destinada à indústria de processamento, para fazer hambúrguer, por exemplo. Eles precisam de parceiros como o Brasil para produzir alimentos processados”, diz. Comprando no Brasil, os americanos contam com um preço acessível para atender seu mercado, num momento em que a pecuária americana passa por uma crise na produção de bezerros, com redução no volume de abates.

As usinas do setor sucroalcooleiro goiano também podem ser afetadas, caso haja uma tarifação sobre o açúcar. Para o vice-presidente do Conselho de Administração da Adial Goiás e empresário do setor sucroalcooleiro, Otávio Lage de Siqueira Filho, por enquanto, Trump está dando tiros pra todo lado e não se sabe se serão apenas ameaças. “De qualquer forma, isso deve mexer no mercado mundial de commodities”, prevê.&nbsp;

Ele analisa que reflexos no comércio mundial podem ser positivos ou negativos, com impactos na inflação. Um dos objetivos de Trump é uma equivalência tarifária. O Brasil cobra tarifa de 18% para importar álcool dos EUA e ele já fala em cobrar também. “Temos cotas de exportação para os EUA e pode ser que venha taxação acima da cota”, adverte. Apesar de Goiás exportar pouco volume para os EUA, se este açúcar for colocado no mercado interno, pode haver pressão nos preços.

Tarifas dos EUA são oportunidades e desafios para Goiás

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Comércio exterior

O cenário é incerto, porque o presidente dos EUA, Donald Trump, faz uma afirmação hoje e muda amanhã, mas o governo brasileiro precisa trabalhar alternativas, medindo possíveis impactos, que vão depender muito da reação do Brasil. A avaliação é do superintendente de Comércio Exterior e Atração de Investimentos da Secretaria de Indústria e Comércio, Plínio Viana.“Implementar tarifas de importação pode significar um tiro no próprio pé, como o aumento da inflação americana”, projeta Viana.

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Por aqui, o excedente de produção agrícola pode ser encaminhado para a China ou até outro país asiático, o que pode impactar a lei de oferta e procura, com variação de preços no mundo. Viana alerta que se o Brasil optar pela reciprocidade e taxar produtos dos EUA, será um problema maior para Goiás, que importa muitos insumos e equipamentos dos americanos, o que elevaria o custo para a indústria, preços e inflação.&nbsp;

No geral, ele prevê que os efeitos devem ser instabilidade de câmbio e das políticas internas. Considerando os produtos mais exportados por Goiás para os EUA em 2024, teríamos mercados alternativos. A questão é o preço. “Se a oferta mundial aumentar, o preço cai e o governo federal precisaria dar um apoio temporário a esses segmentos e viabilizar acordos com países interessados”, explica.&nbsp;

<div class="p-readmore-box"><a href="https://opopular.com.br/economia/tarifas-dos-eua-s-o-oportunidades-e-desafios-para-goias-1.3238856" target="_blank">Tarifas dos EUA são oportunidades e desafios para Goiás</a></div>

O mercado interno pode ser o destino de alguns produtos, mas o governo também precisaria garantir um preço mínimo e uma uniformidade de distribuição para não quebrar produtores e indústria.

O consultor em relações internacionais e comércio exterior da Fieg e professor da Unialfa, Carlos Stuart Palma Júnior, lembra que o que já está confirmado é a imposição de tarifa de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio, que afeta diretamente Goiás, que produz bauxita.

Mas o consultor alerta que tudo pode ser uma oportunidade com outros países, como a China, que vai retaliar os EUA, com a taxação de produtos primários. “Os chineses já anunciaram que vão taxar milho, soja, aves e proteínas dos EUA, o que pode ser uma grande oportunidade para nós, concorrentes diretos deles nestes produtos. Goiás pode ser fornecedor, com preços mais competitivos”, avalia.

A médio e longo prazos, este posicionamento unilateral dos EUA deve gerar instabilidade no comércio internacional e levar a uma reestruturação das cadeias de fornecimento, com parceiros comerciais dos EUA se organizando e se aprovisionando de fornecedores mais estáveis e alinhados com organismos como a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Canadá e México foram afetados e são países que estão aumentando seu fluxo de comércio internacional com o Brasil e devem buscar novos mercados. Palma lembra que, neste ano, vários contatos foram feitos pela Agência de Promoção de Exportações (Apex) e Itamaraty com o México e muitas instituições privadas já estão promovendo missões comerciais para lá. Goiás pode exportar mais produtos para estes países.

Na visão do professor de Relações Internacionais da PUC-GO e diretor executivo do Instituto Ágora Pesquisas, Leandro Bernardes, a guerra comercial é marcada por um retrocesso da globalização, onde cadeias produtivas são encurtadas e fragmentadas e se impõem obstáculos para todas economias nacionais e governos subnacionais, como Goiás. Impor tarifações leva a um esfriamento da economia global, reduz a intensidade e a velocidade dos fluxos comerciais e afeta setores produtivos, especialmente de commodities, a especialidade de Goiás.&nbsp;

“Há um cenário pessimista, mas também de oportunidades. A partir do momento em que os EUA dificultam acesso de produtos goianos a seu mercado, isso pode estimular o estado a buscar novos parceiros, especialmente na Ásia e Europa”, prevê. O cenário pessimista é que o mercado americano deve comprar menos mercadorias chinesas e haverá menos reservas internacionais para a compra de commodities de Goiás.

Para o presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Goiás (Acieg), Rubens Fileti, num primeiro momento, o impacto é negativo porque já existem acordos em andamento para importação e exportação e refazer contratos não é fácil. Mas a tendência é migrar para outros lugares. “Nosso mercado interno não suporta ficar com esta produção e haverá procura por outros mercados”.

Ele acredita que se esta guerra comercial continuar, a rota do comércio exterior pode mudar. “A Ásia não vai deixar por isso mesmo, o que pode abrir portas para o Brasil, com oportunidade de novos mercados. O risco é aumentar a inflação no mundo todo porque as tarifas sempre são repassadas para os preços dos produtos”, alerta. Por outro lado, se não tiver como escoar algum produto e ele ficar no mercado interno, o preço pode cair. “Depende da demanda e dos mercados novos que podemos conseguir”, diz.

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Saída para ações de Trump envolve busca por mercados alternativos

Jean-Jacques Rousseau era 12 anos mais moço que Donald Trump quando sentou para almoçar com a mulher, Thérèse, depois de um passeio pelo jardim do palácio do marquês onde vivia de favor. Aos 66 anos, estava um caco. Alquebrado, afastara-se dos amigos e tinha mania de perseguição.

Já o Nero da nova Roma exalava empáfia ao subir à tribuna do Capitólio, na terça-feira. Trump parecia ter menos que seus 78 anos ao dardejar olhares belicosos à plateia planetária que acompanhava sua arenga interminável, toda ela embasada em mentiras.

Com Rousseau ocorreu o contrário. Fora a verdade que norteou seus passos até 2 de julho de 1778, quando uma apoplexia o fulminou. Faltava pouco para pôr o ponto final em seu último livro, “Devaneios do Caminhante Solitário”.

Nele, o filósofo se entrega a um frenesi classificatório: “Mentir para vantagem pessoal é impostura, mentir para vantagem de outra pessoa é fraude, mentir para prejudicar é calúnia”. Mais: “Mentir sem proveito ou prejuízo para si ou para outrem não é mentir. É ficção”. Mais: “Não se poderia dizer que mente se dá dinheiro falso a um homem a quem não deve”.

Embanana-se com tantas nuances: “Quantas discussões embaraçosas, das quais seria fácil livrar-se dizendo: sejamos sempre verdadeiros, mesmo com todos os riscos!”. Convenhamos, exortar Trump a ser veraz não fará com que diga a verdade.

Considera que às vezes se mente não por maldade, mas vergonha. Dá como exemplo um caluniador de 16 anos: ele. Roubara um adereço da patroa e, perguntado se fora ele, ficou com vergonha e pôs a culpa em Marion, uma empregada. O remorso o roía.

Explica o título do livro: como só pensa para valer quando anda ao léu, devaneia. Se para Descartes o raciocínio precede o ser —penso, logo existo–, para o autor de “O Contrato Social” a divagação molda a filosofia; a natureza funda a razão; o selvagem é bom e a sociedade o corrompe.

Há quem jure que Rousseau estava paranoico, achava que era vítima de complôs quando escreveu “Devaneios”. Mas a igreja o pusera no index; apedrejaram sua casa em Môtiers; figurões da Genebra natal o execravam; rompera com numes do Iluminismo –Condorcet, Hume, Voltaire.

Fosse hoje, Rousseau diria que foi cancelado. Assim abre o livro: “Eis-me então sozinho sobre a terra, tendo só a mim como irmão, parente, amigo, sociedade”. Lamenta que logo ele, “o mais sociável e amável dos humanos”, fosse apartado da comunidade. Mas, quanto mais se isolava dos homens e comungava com a natureza, mais se sentia sábio, iluminado.

O auge desse processo de alienação mística ocorreu na tarde de 24 de outubro de 1776, quinta-feira. Ao perambular pelas cercanias de Paris, um canzarrão dinamarquês o abalroou e ele caiu de cara no chão. Quatro dentes se enterraram no maxilar. O braço e o joelho esquerdo se deslocaram. O lábio superior rasgou até o nariz. Seu sangue “corria como um riacho”. Esborrachado, desmaiou.

Ao acordar não sabia onde estava nem quem era. Contudo, concluiu: “Nasci para a vida naquele instante”; “sentia em meu ser uma calma maravilhosa”; “sou incapaz de encontrar algo comparável em qualquer um dos prazeres”. Teve um troço, entrou em transe? Na manhã seguinte, o irracionalismo despontou redondo como uma fake news. Paris inteira achava que Rousseau morrera.

Até o chefe de polícia mandou o secretário se certificar de que continuava vivo. Ressabiado, o filósofo atribuiu a mentira à maledicência de inimigos. À certa altura, “Devaneios” parece pôr em dúvida a oposição entre verdade e mentira, certo e errado: “É preciso calar ou dizer a verdade que, sendo vantajosa para um, prejudica o outro?”.

Todavia, tinha certeza: “A verdade geral e abstrata é o mais precioso de todos os bens. Sem ela, o homem é cego; ela é o olho da razão. É por meio dela que o homem aprende a se conduzir, a ser o que deve ser, a fazer o que deve fazer e a dirigir-se para o seu verdadeiro fim.”.

Para chegar à verdade, prefere a ética subjetiva à razão objetiva: “O instinto moral jamais me enganou”. E, na consciência moral, a intenção é tudo: “Uma telha que cai do telhado pode machucar muito, mas não fere tanto quanto uma pedra atirada de propósito por uma mão maldosa. O golpe às vezes erra o alvo, mas a intenção nunca perde o golpe”.

Como não há hipótese de Trump achar a ética um imperativo, a mentira é a pedra que sua mão maldosa atira nos inimigos. E contra pedradas há poucos argumentos: consciência moral, coragem, pontaria.

Mario Sergio Conti, jornalista, é autor de “Notícias do Planalto”

Rousseau seria cancelado

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Mario Sergio Conti

Com a confirmação de que São Sidônio não faz milagre, o governo arregaçou as mangas para dar boas notícias e recuperar a popularidade do presidente Lula. Exemplo: medidas para conter os preços abusivos dos alimentos, decreto para evitar 6% de aumento nas contas de luz, liberação do FGTS de quem tinha optado pelo saque aniversário e a ampliação do empréstimo consignado para o setor privado, enquanto dá prioridade à aprovação da isenção do IR até R$ 5.000,00 no Congresso.

Sendo ou não realmente necessárias, são medidas populistas, ou populares, e coincidem com um recuo de Fernando Haddad no palco, a entrada em cena de Gleisi Hoffmann, Lula se preservando e o vice e ministro Geraldo Alckmin assumindo a liderança nos dois principais temas do momento: além da inflação dos alimentos, as negociações com os EUA sobre a taxação de aço e alumínio.

A direção das medidas e o sobe-e-desce de atores indicam uma guinada no governo à esquerda, mas compensando com mais visibilidade para Alckmin, que tem interlocução mais fluida com setores privados e um Centrão sempre guloso, num momento fundamental para a pauta do governo no Congresso.

Gleisi ao Planalto não é só uma dança de cadeiras, é a sinalização estridente de que o discurso da ala mais à esquerda do PT venceu a parada depois da queda abrupta de Lula nas pesquisas, inclusive no Nordeste e principalmente no Sudeste. Acendeu o sinal vermelho e, nessas horas, quem radicaliza mais, quem fala mais alto, ganha a parada. A ordem é sair do muro, assumir de vez o “dilmismo”, mergulhar no populismo e depois se vê o que fazer. Se não é assim, pelo menos parece.

Para contrabalançar - porque, afinal, Lula tem uma inteligência política muitíssimo superior à de Dilma -, Alckmin ganha mais espaço, abre o leque da sua interlocução externa, Simone Tebet pode ser chamada a aparecer mais, o líder do governo na Câmara tende a ser Isnaldo Bulhões, do MDB, uma isca para o indócil Centrão se sentir em casa no Planalto.

A prioridade de Lula e do governo é recuperar, primeiro, os votos tradicionais do PT, que ameaçam escorrer pelos dedos e ameaçam os 30% de piso eleitoral que Lula sempre manteve, apesar das chuvas, trovoadas, mensalões e petrolões. Mas essa estratégia tem um grande risco: perder os milhões de votos do centro em 2022, para evitar o “mal maior”, que não precisa ser citado. Foram eles que, afinal, deram vitória a Lula - e por margem bastante apertada.

Nesse ambiente de cobertor curto, Lula optou pela esquerdização do governo e percebeu que o plano de sair por aí viajando, dando entrevista para rádios locais, falando besteiras, não daria para o gasto. Comunicação é importante, mas é preciso fazer política e boa gestão. É isso que mais falta ao governo.

A guinada de Lula

O Popular