As cidades goianas receberam R$ 545 milhões em emendas de relator – também conhecidas como “orçamento secreto” - ao longo dos anos de 2020 e 2021. Os recursos foram distribuídos em 219 dos 246 municípios de Goiás. A capital recebeu o maior montante no período, R$ 72 milhões. Os dados foram divulgados pela Comissão Mista de Orçamento da Câmara dos Deputados no final de novembro do ano passado, na tentativa de dar mais publicidade e transparência ao pagamento. Os valores correspondem a verba empenhada, liquidada e paga.As emendas parlamentares representam, em geral, a participação de deputados e senadores na elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA), por meio da indicação de recursos para beneficiar suas bases eleitorais. Há diferentes tipos de emendas, como a individual (registrada no nome do parlamentar), de bancada (responsabilidade do conjunto de parlamentares de um estado ou do Distrito Federal) e a emenda de relator (definida pelo político que relata a LOA, com a ajuda de auxiliares). O pagamento da emenda de relator, classificada tecnicamente como RP9, é cercado de polêmica porque não existe divulgação oficial do parlamentar responsável pela indicação do recurso para determinada cidade ou estado. A decisão é tomada por meio de conversas informais dos deputados com o relator e não existem regras vigentes para distribuição equilibrada da verba. O método pode levar ao favorecimento de grupos políticos ligados à base ou compra de votos para aprovação de matérias de interesse do governo.Na lista de cidades que receberam os maiores valores do orçamento secreto em Goiás, chama atenção Itapaci, em 5º lugar. O município está localizado no centro do estado e tem população estimada de 23,8 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com os dados da Câmara, a cidade recebeu R$ 12 milhões em emendas. Prefeito da cidade, Mário José Salles (PSDB) afirma que os recursos foram aplicados em obras. O chefe do Executivo ressaltou que Célio Silveira (PSDB) é o deputado que representa o município em Brasília, mas argumentou que Itapaci também recebe emendas indicadas por outros nomes. “Nós, prefeitos, solicitamos recursos a vários parlamentares do estado. Vamos ao gabinete, levamos ofício e os deputados destinam os recursos para os municípios”, afirma.Em relação à falta de transparência deste tipo de verba, Mário disse que não cabe aos prefeitos discutirem a polêmica. “É uma coisa muito distante da gente”, afirmou. Prefeito de Catalão, Adib Elias (Podemos) diz que não tem conhecimento sobre a execução de emendas no valor de R$ 31 milhões para o município. No levantamento, a cidade é a segunda que mais recebeu recursos. A reportagem tentou contato com as prefeituras de Goiânia, Caldas Novas e Anápolis, cidades que também estão entre as que receberam os maiores montantes de emendas, mas não houve retorno até o fechamento desta edição. O objetivo foi questionar onde os recursos foram aplicados, o posicionamento do Executivo diante da falta de transparência do Congresso Nacional e se a prefeitura tem conhecimento de quais deputados indicaram os recursos que chegaram ao cofre municipal. IndicaçõesEm dezembro, deputados federais e senadores de Goiás que foram citados como responsáveis por indicação de verbas do orçamento secreto rebateram críticas a este tipo de emenda. Os deputados argumentaram que a liberação dos recursos é fruto de trabalho de articulação política. Na época, a lista elaborada pelo jornal O Globo citou 290 deputados e senadores brasileiros. Entre eles, estavam 12 parlamentares de Goiás que indicaram pelo menos R$ 93,87 milhões: José Nelto (Podemos), com R$ 23 milhões; Luiz do Carmo (MDB), com R$ 21,8 milhões; Vanderlan Cardoso (PSD), com R$ 20 milhões; Vitor Hugo (PSL), com R$ 11,75 milhões; Célio Silveira (PSDB), com R$ 5,16 milhões; João Campos (Republicanos), com R$ 4,5 milhões; Zacharias Calil (DEM), com R$ 2,6 milhões; José Mário Schreiner (DEM), com R$ 2,18 milhões; Adriano do Baldy (PP), com R$ 1,15 milhão; Delegado Waldir (PSL), com R$ 870 mil; Francisco Jr. (PSD), com R$ 560 mil; e Professor Alcides (PP), com R$ 300 mil.O levantamento foi realizado em relação a valores empenhados em 2020 e 2021, com base em planilhas do Ministério do Desenvolvimento Regional, documentos da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), entrevistas, redes sociais de parlamentares, notas de prefeituras e dados de convênio e da Plataforma Mais Brasil. As informações relacionadas ao tema são incompletas exatamente por causa da falta de transparência já citada. JurídicoO tema foi discutido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do ano passado, quando a publicidade de pagamento das emendas de relator foi questionada em ações de partidos de oposição como Cidadania, PSOL e PSB. A execução do orçamento secreto referentes a 2021 chegou a ser suspensa em novembro, mas foi retomada no mês seguinte, após o Congresso Nacional divulgar ato conjunto na tentativa de dar mais transparência ao método. A divulgação dos dados usados nesta reportagem faz parte do ato. A lista traz, no total, a relação de 4.838 prefeituras beneficiadas por emendas de relator, número que representa 87% dos municípios brasileiros. Na divulgação, a Câmara destacou que 659 das 816 prefeituras que são comandadas por partidos de oposição ao governo (como PDT, PSB, PT, PCdoB, PSOL e Rede) também foram contempladas com estes recursos. O Congresso também aprovou, no fim de 2021, texto com novas regras para o pagamento da emenda de relator, mas ainda há brecha para que o nome do parlamentar responsável não conste na indicação do recurso.-Imagem (1.2394505)