A Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) mantém irregularidades na publicação de atos normativos, segundo apontamentos do Ministério Público Estadual (MP-GO) em recomendação ao presidente da Casa, Bruno Peixoto (UB), no início do mês. O Legislativo também continua sem apresentar informações detalhadas sobre a folha de pagamento, especialmente os valores e identificação dos comissionados nos gabinetes de deputados estaduais. O número de cargos comissionados e servidores contratados pelos parlamentares passou por intenso crescimento na atual gestão, a partir de 2023, até chegar ao número recorde de 5.450, em fevereiro deste ano. A recomendação do MP-GO busca regularizar a forma de publicação dos atos pelo portal da transparência da Casa e cita a existência de inquérito civil público que apura a possibilidade de uso político e desvio de finalidade dos funcionários.A recomendação busca sanar irregularidades na publicidade e transparência dos chamados atos normativos, que envolvem regras e diretrizes para o funcionamento do próprio Poder. São resoluções, decretos legislativos e atos da mesa diretora que, comumente, definem quantidades e regras para contratação de pessoal. A orientação, a partir de legislações estaduais e federais, é para que a Alego deixe de adotar a forma compilada para publicar os documentos públicos.A investigação identificou “obstáculos significativos” na busca de informações sobre a regulamentação administrativa dos serviços e do pessoal dos gabinetes parlamentares. As apurações mostram que o portal da transparência apresenta apenas o texto atual dos atos normativos, sem apresentar o histórico das alterações feitas nos dispositivos originais.O pedido de correção foi assinado conjuntamente pelos promotores de Justiça Carmem Lúcia Santana de Freitas; Leila Maria de Oliveira; João Teles de Moura Neto; Astúlio Gonçalves de Souza e Flávio Cardoso Pereira, que atuam na defesa do patrimônio público no MP-GO. A Alego não havia protocolado qualquer manifestação junto ao MP-GO até esta sexta-feira (11), mas tem prazo até a próxima terça (15) para enviar resposta à recomendação. A presidência da Casa também não respondeu aos questionamentos da reportagem até o fechamento da edição.Os promotores sustentam que a publicação incompleta dos documentos “compromete gravemente o princípio da transparência pública e dificulta o acompanhamento da evolução legislativa”. A recomendação aponta que a falta de acesso às versões anteriores dos textos normativos prejudica a fiscalização e o controle social das atividades parlamentares, ferindo direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.A Lei de Acesso à Informação (LAI) estabelece um conjunto mínimo de informações que devem ser publicadas obrigatoriamente por todos os órgãos públicos e entidades em seus sites oficiais, incluindo dados sobre orçamento, despesas, licitações e contratos. No caso da Alego, o Ministério Público constatou que essas exigências não estão sendo cumpridas adequadamente no que se refere aos atos normativos.ModificaçõesNa recomendação, o MP-GO solicita que a Alego promova, com urgência, a correção da disponibilização dos atos normativos. Entre as medidas prioritárias está a adoção da técnica de consolidação normativa para divulgação dos atos, que permite a visualização do texto atualizado com todas as alterações incorporadas, além de manter o histórico das modificações.A atuação apresenta fundamentação nos artigos 37 e 59 da Constituição Federal, que tratam dos princípios da administração pública e do processo legislativo, além da própria Lei de Acesso à Informação (Lei Federal nº 12.527/2011). No âmbito estadual, a recomendação considera o artigo 18, da Constituição Estadual, a Lei Complementar Estadual nº 33/2001 e o ato da mesa diretora, de 8 de julho de 2013, da própria Assembleia Legislativa de Goiás.Ainda na parte de considerações, os promotores apontam ainda que as correções são relevantes para manter a transparência das nomeações e contratações de servidores, ao citar o inquérito aberto no ano passado, pela Portaria nº 023/2024. A apuração, segundo a recomendação, tem “objeto amplo e complexo” sobre a “constituição de pessoa jurídica privada para fins de perpetuação no poder parlamentar, com a utilização de servidores comissionados contratados pela Alego para consecução de seus fins, com desvio de finalidade”.Apesar da menção ao inquérito, o documento do MP-GO ressalta que busca “a resolução do problema extrajudicialmente”, com ações administrativas do próprio Parlamento Goiano, para efetivar a “correção das falhas e demais providências legais, restabelecendo o status de legalidade”.ComissionadosDepois do recorde de 5.450 servidores comissionados, a Alego conta agora com 5.269, segundo a folha de pagamento referente ao mês de abril, ainda no primeiro lugar no ranking nacional de legislativos estaduais. Com a nova soma, a Alego continua a ser o único legislativo estadual com relação entre comissionados e deputados estaduais acima de 100 servidores por parlamentar. A média atual de 128,5 fica bem acima dos próximos colocados, como as assembleias de Mato Grosso (97,8), Piauí (92,6) e Tocantins, que tem 84,9 indicados para cada deputado. Desde o início da gestão de Bruno Peixoto, cada gabinete por contratar até 95 comissionados, além dos cargos da estrutura administrativa da Casa.Nos portais de outras assembleias, assim como da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, é possível acessar lista com os nomes das pessoas lotadas em cada gabinete, o que não é apresentado pela Alego. A reportagem do POPULAR registrou a ausência de ferramenta semelhante no portal da transparência, ainda em agosto de 2023, assim como falta das informações sobre rendimentos dos servidores para consulta individual. Apesar da opção para download de planilhas com dados abertos da folha de pagamento, os documentos não trazem números sobre os recursos que os servidores receberam, o que impede a análise geral dos pagamentos feitos a cada categoria.Consultada pela reportagem à época, a diretora de programa da ONG Transparência Brasil, Marina Atoji, apontou que a ampliação do espaço para nomeações de comissionados nos gabinetes aponta para falta de critério e exagero, por não levar em consideração o princípio da economicidade. Atoji classificou a falta de dados sobre o total de vencimentos e a lotação dos servidores dos gabinetes como problema grave de transparência.Para a Alego, a publicação da despesa de pessoal a cada quadrimestre, no relatório de gestão fiscal, é suficiente para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). No entanto, Marina Atoji destacou que a medida não está de acordo com o princípio da publicidade da administração pública e o dever de prestação de contas. A diretora afirmou ainda que a falta dessas informações dificulta o controle social por parte da imprensa, entidades da sociedade civil e do cidadão, em relação, por exemplo, a eventuais casos de nepotismo cruzado e presença de pessoas filiadas a partidos políticos. Atoji destaca que o ideal é que todas essas informações estejam disponíveis no Portal da Transparência com fácil acesso, inclusive para pessoas que não saibam usar planilhas com dados abertos.