Ao detalhar os fundamentos da Ação Cível Originária (ACO) contra a União em busca do aumento nos repasses à Saúde de Goiás, protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) na quinta-feira (2), o governador Ronaldo Caiado (UB) reforçou ataques ao governo federal dizendo que a gestão do presidente Lula (PT) utiliza de critérios discricionários para favorecer estados alinhados politicamente e penalizar adversários. Caiado afirmou, durante evento de anúncio da ação judicial nesta sexta-feira (3) no Palácio das Esmeraldas, que a demanda acumulada ao longo dos últimos três anos chega a R$ 1,2 bilhão e não tem critérios claros. Ele acusou o Partido dos Trabalhadores de “quebrar os fundamentos da Constituição” em sua forma de governar: “A Constituição prevê os entes federados vivendo dentro de um sistema de cooperação e não de submissão, como eles impõem hoje aos municípios e aos estados.”Diante das ameaças do governo goiano de entrar na Justiça, reportagem do POPULAR, em 8 de setembro, mostrou que o Ministério da Saúde negou critérios políticos para transferência de recursos para os Estados, dizendo ainda não haver atrasos ou retenção de valores pela pasta e que não há perspectiva de aumento dos repasses. Nesta sexta, em nota, a pasta reafirmou que os repasses da União “seguem critérios estritamente técnicos e legais, definidos a partir da produção assistencial informada” pelo estado.“O governo federal simplesmente lava as mãos. O cidadão está no município exigindo ao prefeito e ao secretário de Saúde, e ao mesmo tempo exige do governo do Estado, que realmente atenda o cidadão. E a União se sente na condição de ficar, ali, colocando ministro, do ponto de vista político, para que a verba da Saúde, ela possa dar ao ministro o poder de dizer qual estado o cidadão poderá ser tratado, ou qual estado o cidadão não terá a condição mínima de tratamento pelo SUS”, declarou o governador.Caiado afirmou que, ao transferir responsabilidades sem a devida compensação, o governo federal “enfraquece o caráter republicano da gestão da saúde” e transforma o tema em instrumento de “política eleitoreira”. “Fazendo a Saúde palanque para colocar aí em risco a vida das pessoas. A que ponto ele chega?” questionou. O governador acrescentou que a ação goiana poderá abrir caminho para que outros estados também busquem no STF parâmetros claros de repasses dos recursos.“A posição minha de acreditar que o Poder Judiciário tomará uma posição e não de se omitir diante de uma gravidade como essa onde vidas estão sendo colocadas a risco. Este é o problema. Mas talvez na cabeça do presidente Lula o valor ponderal da vida de Goiás vale menos que o valor ponderal da vida do Estado que ele goste mais. É só essa diferença”, afirmou Caiado.As novas declarações do governador, nesta sexta, direcionadas ao presidente Lula e relacionadas aos repasses para a Saúde juntam-se a queixas que tiveram início em 2023, depois que solicitou recursos para o Complexo Oncológico de Referência do Estado (Cora), ao pedir inclusão da unidade entre os três projetos prioritários do Estado de Goiás no novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), formatado pelo governo Lula naquele ano. As reclamações escalaram com o avanço da regionalização no Estado e, em julho, Caiado anunciou a pretensão de ir à Justiça acusando o gestão petista de “retaliação política” diante do seu projeto de disputar a Presidência da República em 2026. Ação no SupremoA ação aponta o artigo 198 da Constituição Federal e a Lei Complementar 141/2012, pedindo que a Corte reconheça liminarmente a omissão do governo federal e obrigue a revisão da metodologia de cálculo dos repasses e solicita, no mérito, o pagamento de valores devidos desde 2021. O documento foi antecipado pelo Giro.Baseado em levantamento do Instituto Mauro Borges (IMB) que ajudou a fundamentar a ação no Supremo, o governador afirmou que, em 2002, a União arcava com 52% do financiamento da Saúde no País, mas hoje essa fatia estaria em 40%, de acordo com dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Para o governador, a redução da participação federal pressiona estados e municípios e compromete o equilíbrio fiscal. O governador afirmou que Goiás, mesmo figurando como o 11º estado em população, está entre os quatro piores em repasses per capita de recursos do SUS. Disse que, em 2024, o estado recebeu R$ 419 milhões pelo chamado Teto MAC (Média e Alta Complexidade), ao mesmo tempo em que aplicou R$ 4,73 bilhões em Saúde - o equivalente a 14,3% da receita.Caiado mencionou a ampliação da rede hospitalar em sua gestão, com 25 unidades de média e alta complexidade, seis policlínicas regionais e o Complexo Oncológico de Referência de Goiás (Cora), inaugurado em setembro, além da expansão de leitos de UTI. Segundo o governador, a União não acompanhou com novos repasses, deixando a responsabilidade integral de serviços como os do Hospital Estadual de Águas Lindas (Heal), no Entorno do Distrito Federal, com o governo de Goiás.Na reportagem de 8 de setembro, o Ministério da Saúde respondeu ao POPULAR, ponto a ponto, às alegações feitas pelo governo de Goiás. Sobre o Heal, o ministério informou que os repasses dependem de habilitação e da pactuação, pelo estado, na Comissão Intergestores Tripartite (CIT).Sobre o Cora, o governo goiano alega não ter recebido verba para equipar ou custear a unidade, que começou a funcionar em junho, e que os recursos de oncologia citados pela União foram destinados a outros hospitais. O ministério contestou, dizendo que o Cora recebe R$ 19,4 milhões anuais “com repasses regulares desde a habilitação”, mas não mencionou novas transferências.O Estado sustenta ainda que gasta R$ 16 milhões mensais com seis policlínicas e recebe apenas R$ 11 milhões por ano da União. O ministério negou a disparidade e informou que, conforme dados do SIA, essas unidades registraram produção de R$ 12,2 milhões em 2023, valor usado como base para o custeio.Por fim, entre os pontos mencionados por Caiado nesta sexta, o governo estadual cobra recomposição do Teto MAC de 2023 a 2025, cerca de R$ 385 milhões anuais, além de correções em outros serviços, num passivo de R$ 1,6 bilhão. O ministério confirmou os valores, mas destacou que os repasses cresceram 19% de 2022 a 2024 e citou transferências complementares de R$ 146,3 milhões em 2024, sem responder sobre um aumento do teto.Sem diálogoQuestionado pelo POPULAR se o governo estadual passou pelas etapas administrativas antes de protocolar a ação, incluindo o pedido de revisão dos repasses à Comissão Tripartite Nacional, o procurador-geral do Estado, Rafael Arruda, disse que, depois de tentativas frustradas de negociações administrativas com o governo federal sobre os repasses à Saúde, “o caminho foi a judicialização”. O procurador-geral afirmou não saber responder se a medida será adotada igualmente por outros governos que também alegam diminuição nos repasses. Arruda disse que teve reunião, na semana passada, com outros procuradores-gerais para apresentar a ação judicial de Goiás contra a União. “Então é de se imaginar que essa iniciativa gere algum incentivo aos demais Estados, seja para o ajuizamento de Ações Cíveis Originárias pelos demais entes, seja por meio da adesão dos demais estados, na condição de amicus curiae”, disse.