Atualizada em 6.3 às 10h04.Apesar de destacar no tema deste ano o diálogo, a Campanha da Fraternidade expôs divisão entre diferentes grupos que compõem a sua organização. O texto-base desta edição citou assuntos como crimes contra minorias (mulheres, negros, indígenas e comunidade LGBTQI+) e fez críticas à negação da ciência durante a pandemia, provocando diferentes reações entre líderes religiosos e fiéis. Especialistas, políticos goianos ligados à igreja católica e membros da instituição foram procurados pela reportagem e também se dividem entre defesa do debate e o entendimento de que a polêmica traz mais prejuízos do que benefícios. A situação é vista como mais uma consequência da polarização política no País.A campanha deste ano recebe o tema “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e é uma edição ecumênica, o que ocorre a cada cinco anos. Neste caso, a organização é feita pelo Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), entidade da qual fazem parte instituições como Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e Igreja Presbiteriana Unida do Brasil. Mesmo nestas situações, o Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) ainda é responsável por validar as decisões. Neste contexto, a diferença de ideias já era esperada. Mas a crítica de suposta influência de ideologias de esquerda inflamou as discussões e há casos de líderes religiosos que defendem boicote à campanha, que, apesar de tradicional, não é obrigatória.Deputado federal e presidente da Frente Parlamentar Mista Católica no Congresso Nacional, Francisco Jr. (PSD) afirma que a ênfase nas polêmicas leva à perda no debate central da campanha, o diálogo. “Existem tantos temas que nos unificam, mas há opção pela polêmica daquelas questões que nos dividem. Não vai ser aqui que vamos perder as nossas diferenças. É um momento de tanta divisão no País e essa situação potencializa isso. Estamos perdendo uma oportunidade de conversar sobre o que nos aproxima.”Já o deputado estadual Humberto Aidar (MDB), que também é ligado à igreja católica, acredita que é papel da instituição levar ao debate assuntos controversos. “Esses temas, mesmo que polêmicos, são muito importantes. Vivemos esta situação no País em que o presidente (Jair Bolsonaro, sem partido) atua para prejudicar a vida das pessoas. O que é mais caro para a igreja é a defesa da vida. Quando defende a ciência, a igreja na verdade está defendendo a vida. Não se pode fechar os olhos porque os seguidores do Bolsonaro não vão gostar.” Para o deputado, a discussão surgiu em boa hora. “A verdade dita por organismo forte e respeitado como a igreja acaba tendo este tipo de repercussão”, afirma.Católico conservador, o vereador de Goiânia Kleybe Morais (MDB) avalia que o objetivo da campanha não foi provocar desconforto, mas demonstrar que a igreja acolhe todas as pessoas. Quanto à polarização política, o vereador afirma que é preciso ter maturidade para debater os temas. Também vereador por Goiânia, Anderson Sales (DEM) diz que os líderes religiosos têm papel fundamental na mediação dos conflitos e devem ser responsáveis por evitar divisões e levar a igreja a entender o real sentido da Campanha da Fraternidade.Já a vereadora Gabriela Rodart (DC) afirma que valores católicos só podem ser praticados genuinamente quando a pessoa se posiciona “do centro para a direita no espectro político”, pois acredita que a esquerda é “por essência, anticristã”. Gabriela também defende a polarização, afirmando que é “definição clara das ideias que cada um acredita”.RecorrenteDoutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Renan William dos Santos ressalta que sempre existiu polarização por diferentes motivos nos corredores da igreja católica, inclusive em relação a outras edições da Campanha da Fraternidade, como em 2017, quando o tema foi meio ambiente.Na avaliação do pesquisador, o que tem crescido é o alcance dessas controvérsias, como consequência da politização do debate religioso em diferentes denominações. “Tais atores religiosos conservadores que sempre reclamaram desse ou daquele tema proposto pela campanha agora não ficam mais isolados em seus blogs ou grupelhos espalhados pelo Brasil, agora eles se juntaram a redes de ativismo conservador e reacionário, fazendo com que uma pauta amplifique a outra.”Dom Washington pediu ênfase em convergênciaPadre na Paróquia São José, localizada no Setor Sul, em Goiânia, Antônio Donizete Nascimento conta que a orientação do arcebispo Dom Washington Cruz foi para que a Campanha da Fraternidade seja realizada com ênfase nos pontos que aproximam os cristãos, como os conceitos de amor e diálogo, evitando tópicos que provoquem tensão. Padre Antônio ressalta que existe diferença entre identificar no projeto elementos que não estão ligados genuinamente à fé católica e instigar posturas violentas e agressivas.O religioso afirma que críticas inflamadas e desinformação sobre a campanha foram divulgadas nas redes sociais, ferramentas que, na visão dele, potencializaram reações que já eram conhecidas, inclusive de pessoas que não têm envolvimento com a igreja. “Na igreja, não se combate influência de esquerda e direita usando uma contra a outra. Se combate com teologia. E isso é papel do episcopado.”-Imagem (Image_1.2208378)