A doação de caminhões compactadores de lixo para municípios de Goiás pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) disparou em 2021. A empresa federal encaminhou 50 veículos deste tipo para 49 cidades goianas no último ano.Os caminhões custaram R$ 13,9 milhões. Os preços de cada unidade variam de R$ 253,4 mil a R$ 321,1 mil. Não há registro de que a Codevasf tenha doado este tipo de produto para Goiás nos anos de 2019, 2020 e 2022.As cidades que receberam caminhões de lixo têm entre 1,4 mil e 61 mil habitantes. A maior é Cristalina, no Entorno do Distrito Federal, e a menor é Moiporá, no Centro goiano.Entre os 49 municípios, 35 têm menos de 10 mil habitantes. Especialista afirma que caminhões compactadores de lixo não são recomendados para cidades com menos de 17 mil habitantes.Dos 50 caminhões de lixo doados em 2021, 24 foram liberados depois de 1º de outubro - data da posse de Abelardo Vaz, ex-prefeito de Inhumas e ex-assessor do senador Vanderlan Cardoso (PSD) - na presidência da superintendência da Codevasf em Goiás. Abelardo trabalhava no gabinete de Vanderlan no Senado até setembro de 2021.A Codevasf é uma empresa pública ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, que atua em 12 estados e no Distrito Federal.Até setembro de 2020, a estatal operava em 136 municípios de Goiás, mas a atividade da empresa foi ampliada para todos os 246 após articulação de parlamentares goianos. Por meio da estatal, emendas parlamentares chegam mais rápido às bases eleitorais.A Codevasf foi citada em reportagens nacionais que apontaram indícios de superfaturamento na compra de caminhões de lixo e aumento no número de veículos distribuídos pelo País a partir da entrada do Centrão no governo federal.Em nota, a estatal informou que os caminhões de lixo foram adquiridos com recursos de emendas parlamentares e de termos de execução descentralizada.A empresa citou a ampliação da atuação em Goiás em 2020 e o início da operação de uma superintendência no estado em 2021 como fatos que “explicam a ampliação do número de ações empreendidas pela empresa em Goiás”.Menor cidade entre as contempladas no estado, Moiporá recebeu, em agosto de 2021, um caminhão compactador de lixo de 6m³, que custou R$ 280 mil. Com 1,4 mil habitantes, a cidade é 30 vezes menor que o Jardim América, um dos bairros mais populosos de Goiânia, que tem aproximadamente 41 mil habitantes. A reportagem tentou contato com o prefeito Zé Wilson (MDB), mas não houve retorno.Em Montividiu, cidade com quase 14 mil habitantes, do Sudoeste goiano, o prefeito Edson Coutinho (PSB) afirma que recebeu com surpresa a doação de dois caminhões da Codevasf, indicados pelo deputado federal Glaustin da Fokus (PSC) e por Vanderlan.A cidade recebeu um compactador de 15m³ e outro de 6m³, que custaram R$ 321,1 mil e R$ 280 mil, respectivamente.Edson afirma que a cidade já tinha coleta de lixo terceirizada, em que a empresa era responsável por todos os funcionários e equipamentos. Com a chegada de um novo caminhão, o contrato foi alterado e a empresa passou a operar com o veículo da prefeitura, o que fez o valor pago pela gestão diminuir.Como o prefeito também não sabia da entrega do segundo caminhão, não havia planejamento para seu uso, atualmente a máquina está parada. Há possibilidade de a prefeitura voltar a prestar o serviço diretamente para a população. “Como fomos pegos de surpresa, não estávamos preparados. Mas que vai ter utilidade, vai”, disse Edson.Vanderlan já afirmou que fez levantamento de todos os municípios que não tinham caminhões de lixo para fazer as doações. Já Glaustin argumentou que conversou sobre a doação para Montividiu e encaminhou a emenda em 2020, durante a gestão do ex-prefeito Ademir Guerreiro.Estatal é escolhida para envio célere de emendasCom menor quantidade de etapas burocráticas, a Codevasf consegue entregar a municípios equipamentos e produtos adquiridos com emenda parlamentar com mais rapidez do que convênios celebrados entre prefeituras e União. O recurso é destinado à estatal na modalidade de execução direta. Isso significa que a companhia recebe o dinheiro, licita o equipamento ou a obra e, no caso de maquinários como caminhões e tratores, o compra. Logo, esse equipamento passa a ser patrimônio do órgão, que depois o doa para o município, estado ou entidade escolhidos por um parlamentar. Essa é uma das razões para que deputados e senadores prefiram colocar emendas na companhia, uma vez que, quando um recurso é enviado diretamente para um município ou estado, gera-se um convênio que precisa ser cumprido pela União. “A partir do momento em que a Codevasf começa a ter área de atuação dentro do estado de Goiás, fica mais fácil mandar o recurso para lá, porque a própria Codevasf vai licitar e fazer o processo de forma mais célere”, afirma o consultor orçamentário e de convênios públicos Renatho Melo. Segundo ele, neste caso, a fiscalização fica por conta de órgãos como o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União. Ainda de acordo com Renatho, esse processo diminui de um a dois anos o tempo para entregar benefícios a municípios por meio de emendas, em comparação com os convênios tradicionais. Em 2021, a Codevasf fez o total de 159 doações de diferentes tipos de máquinas e equipamentos para cidades goianas. As aquisições somaram R$ 59,3 milhões. O ano passado foi o que registrou maior volume global de doações. Em 2020, as doações somam R$ 6,8 milhões, mas não há registro de qualquer tipo de caminhão. O levantamento foi feito pelo POPULAR em 24 de maio, no site da Codevasf, e considera as doações feitas entre 2019 e 2022. O último termo deste ano data de 25 de abril. Em alguns casos, a reportagem identificou erros de digitação nos valores apontados no sistema do órgão e os corrigiu, considerando os valores que constam nos termos de doação. Os documentos são sempre assinados pelo prefeito ou prefeita da cidade e pelo superintendente regional. No caso dos caminhões compactadores de lixo, o presidente da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP), João Gianesi, afirma que o uso de veículos deste tipo não é recomendado em cidades com menos de 17 mil habitantes porque demanda manutenção qualificada e frequente, serviço que muitas vezes municípios pequenos não têm acesso ou verba para pagar.Leia também: - Empresa venceu licitação da Saneago para 30 caminhões- Quanto lixo cabe em tantos caminhões?- Cidades goianas receberam veículos citados em denúncia-Imagem (1.2463434)