“Esperamos que a frente de esquerda possa valorizar as pessoas que são verdadeiramente comprometidas com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e que se comprometeram com a eleição do presidente Lula, policiais que deram sangue, o tempo e a imagem para isso.” A fala é do goiano Fabrício Rosa, um dos nomes que podem ser indicados para a diretoria-geral da PRF na gestão do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.Filiado ao PT e policial há 22 anos, seu nome surgiu como possibilidade para o cargo, a partir de indicação de um grupo formado por policiais rodoviários federais progressistas. Ao POPULAR, ele detalha as ações deste grupo e o programa criado por ele, que defende, entre outros pontos, uma polícia mais humanizada, mas também fala sobre os ataques que tem sofrido desde que a notícia da possível indicação saiu, sobretudo por parte de bolsonaristas. “Se estamos incomodando o bolsonarismo, estamos no caminho certo”, diz.Como surgiu a possibilidade da indicação do sr. à diretoria-geral da PRF? Alguém já falou com o sr. a respeito?Há dois, talvez três anos, nós temos um grupo de policiais rodoviários federais comprometidos com a democracia comprometidos com os direitos humanos; policiais que são pesquisadores como mestrandos, doutorandos, outros são sindicalistas e outros são filiados a partidos de esquerda, como PT, PSOL, PCdoB etc, policiais efetivamente progressistas.E já há bastante tempo a gente constrói um programa do que a gente gostaria que fosse uma Polícia Rodoviária Federal desejável, que é aquela que coincide com a sua história. A PRF vai fazer 100 anos agora em 2028: ela nasceu fazendo o salvamento nas rodovias, quando começaram a ser asfaltadas lá no governo do presidente Washington Luiz, e nasce para garantir a segurança do trânsito.Temos construído esse programa coletivamente. Então, temos esse grupo, que escolhe alguns nomes para disputar a direção-geral da Polícia Rodoviária Federal, e meu nome é um dos nomes escolhidos.Como esse grupo atua?O grupo é formado por mais de cem policiais rodoviários federais de todo o Brasil, que se identificam como progressistas e que se contrapõem, sobretudo, ao bolsonarismo, ao militarismo, ao armamentismo e à instrumentalização da PRF, enquanto ferramenta do golpismo.Então, são policiais que carregam características em comum, e que vêm se reunindo para construir um programa a respeito do que a gente gostaria que fosse a PRF.E qual é esse programa?Esse grupo defende, primeiro, o resgate da dignidade histórica da Polícia Rodoviária Federal, que é uma instituição que, apagando os últimos quatro anos da mente, se trata de uma polícia cortez, cidadã e que atende bem as pessoas nas rodovias. Não é perfeita, mas dentro do cenário da segurança pública, é uma polícia de nível superior, de carreira única e que, apesar de usar uniforme, é desmilitarizada. Não é uma Polícia Militar.Segundo, queremos uma polícia que separe a visão pessoal, a visão política individual de cada policial, do cumprimento da legalidade democrática. Queremos uma polícia que tenha como fundamento preliminar a necessidade de cumprirmos o que está posto na legislação, concordando ou não com ela. Queremos uma gestão que não tenha ficha suja.Sabemos que o atual diretor (Silvinei Vasques), que pese não ter sido condenado, respondeu por tortura e por outros crimes graves. Queremos uma gestão que seja honesta, que seja transparente, que dialogue com a sociedade, que crie formas de participação popular. Em várias polícias do mundo existem conselhos de segurança dentro da polícia formados pela sociedade.A gente quer ouvir a sociedade, a gente quer uma formação mais humanizada. A formação da PRF se transformou numa formação militarizada e, como eu já disse, a gente não é militar. Nós queremos uma formação humanizada, profissional, com a participação de agentes externos: pesquisadores da segurança pública, movimentos sociais da sociedade civil.É isso o que a gente espera da Polícia Rodoviária Federal. A polícia abandonou a segurança viária, a fiscalização de trânsito e a prevenção de acidentes. Isso fez com que, de 2020 para 2021, houvesse um aumento nas rodovias federais do número de acidentes, do número de feridos e do número de mortos.Bolsonaro era um presidente que não usava capacete, falava mal dos radares e que, absurdamente, falava mal das cadeirinhas que nada mais são do que um instrumento importante de proteção das crianças. Então, a polícia abandonou essa área.A polícia abandonou também a fiscalização ambiental. Nós vivemos numa crise climática no mundo e a PRF pode colaborar em seu enfrentamento. Ao longo da sua história de quase 100 anos, nós fizemos muitas operações de enfrentamento ao transporte ilegal de madeiras, especialmente na região Norte, assim como do tráfico de animais silvestres, do tráfico de agrotóxicos vindo de outros países, como Paraguai e Bolívia.A gente quer resgatar esses lugares de atuação da PRF. A gente quer também que haja qualidade de gênero nos lugares de gestão da polícia, nacionalmente e regionalmente falando. Quando você olha para a instituição, você vê homens e queremos que mulheres ocupem cargos de direção.É possível aplicar esse programa na PRF?Se existe uma polícia que tem condição de aplicar esse programa no Brasil é a Polícia Rodoviária Federal, porque não somos militares e cabe oxigenação, cabe o contraditório e uma visão divergente. Além disso, somos de carreira única.A PRF não vive naquela disputa interna entre praças e oficiais que existe na PM, ou entre delegados e agentes que tem na Polícia Civil, ou seja, é mais harmônica e tem todo um aparato para ser essa polícia de referência.E quando essa polícia desmilitarizada e de carreira única erra, erra um modelo de polícia. Isso é muito grave. Então, consciente desse lugar da instituição, a gente tem construído esse programa para tentar devolvê-la ao lugar que merece.Até que ponto esse grupo tem alguma influência na possível escolha do próximo diretor-geral da PRF?O grupo é plural e é formado também por policiais que foram candidatos e que são fundadores, inclusive, do PT, que ocupam cargos de direção no PSB, no PC do B. Ao contrário do que muita gente pensa, nas polícias existem pessoas de esquerda, como Adriana Accorsi (PT e deputada federal eleita, é policial civil) em Goiás, Leonel Radde (PT e deputado estadual eleito, é policial civil) no Rio Grande do Sul, Orlando Zaccone no Rio de Janeiro (delegado da Polícia Civil e coordenador nacional do movimento Policiais Antifascismo), além de tantas outras figuras de esquerda.A polícia não é um bloco homogêneo. Então, são várias forças que compõem esse grupo que podem fazer com que a gente chegue na direção geral, mas o mais importante para nós é que o programa que a gente acredita seja aplicado.Desde que saiu a notícia de sua possível indicação ao cargo, o sr. tem sofrido críticas por parte de membros da direita por conta de sua defesa pela legalização da maconha. Inclusive, trouxeram à tona vídeos de sua campanha em 2018, quando foi candidato ao Senado, com falas neste sentido. O sr. acha que isso pode te prejudicar de alguma maneira nessa disputa?Primeiro, a pauta da legalização da maconha não está no programa do PT e da frente Brasil da Esperança. Não é uma pauta do presidente Lula. Segundo, essa é uma pauta do Congresso brasileiro e todo policial rodoviário federal cumpre e continuará cumprindo a legislação, ou seja, continuará prendendo traficantes, fazendo operações.A polícia tem esse dever e não substitui o parlamento brasileiro, ainda que, individualmente, seja militante dessa pauta. Terceiro e mais importante, se a gente está incomodando o bolsonarismo, a gente está no caminho certo.Acredito que o PT e as forças aliadas, nessa disputa de valores, vão preferir estar com seus, com aqueles que constituem a sua base de apoio e que, majoritariamente, são a favor da legalização da maconha, do que procurar um nome que porventura venha a agradar os bolsonaristas.Não há nome da esquerda, comprometido com as nossas pautas, em que pese ser a favor ou não da legalização da maconha, que vai agradar os bolsonaristas. Qualquer outro nome vai ser criticado por defender direitos humanos, por ser socialista, por ser comunista, por ser social democrata, enfim.Então, acredito que a base do PT tem essa maturidade no sentido de que escolherá um nome que agrade a base e não que porventura venha dialogar com bolsonaristas.O sr. fala do resgate da PRF. A corporação esteve envolvida, sobretudo nos últimos meses, em várias acusações de crimes, como o assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, em Sergipe; as blitze feitas durante a eleição; e mais recentemente alguns policiais que, se não aderiram, ao menos fizeram vista grossa aos bloqueios de manifestantes golpistas pelo país. A nova direção da PRF terá condições de recuperar a imagem da corporação?Acredito que existe toda a possibilidade. Quase um terço do efetivo atual ingressou nos últimos quatro anos, e passou por essa formação militarizada, que desvaloriza os direitos humanos e matérias similares. Mas eu acredito que, sim, é possível resgatar. O maior problema está na cúpula e não na base. O problema está na cúpula, quando colocou mais de 4 mil policiais na rodovia e gastou R$ 3,6 milhões numa operação para fiscalizar possíveis infrações de trânsito ou crimes eleitorais, e acabou por amedrontar determinadas pessoas.Leia também:- Presidente do PSDB de Goiânia, Aava Santiago participará da equipe de transição de Lula - Líderes de partidos de Goiás veem dificuldades em fusões ou federações