A Câmara dos Deputados autorizou de 2015 até este ano 610 viagens internacionais em missões oficiais. Os deslocamentos representam uma alta de 41% se comparados ao mesmo período da legislatura anterior – entre 2011 e 2013 – e quase se iguala ao total de todo o mandato passado (619). O crescimento, porém, não foi acompanhado de um aprimoramento na prestação de contas dos parlamentares que não chegam nem sequer a relatar a programação cumprida fora do País.Levantamento feito pelo Estado com base nos dados publicados pela Câmara encontrou relatórios genéricos, sem qualquer detalhamento ou apresentação dos resultados das missões. A falta de cuidado na forma como se presta – e se fiscaliza – as viagens faz com que haja documentos que só listam a agenda predeterminada para o roteiro, sem fotos dos encontros, nomes das autoridades visitadas ou a relevância das reuniões para a atividade legislativa desenvolvida no Brasil.A assessoria da presidência da Câmara, responsável por autorizar os deslocamentos internacionais, não explicou o motivo do aumento das viagens e dos gastos com diárias ou as despesas com passagens aéreas. O órgão orientou o Estado a pedir os dados pela Lei de Acesso à Informação, o que já foi solicitado.A Câmara liberou, ao todo, a ida a 107 cidades, em 54 países diferentes. No ranking dos destinos mais visitados estão Nova York, Genebra, Paris, Roma, Bruxelas, Londres e Washington (veja quadro nesta página). Mas há exemplos também de roteiros realizados em Nassau, nas Bahamas; Addis Abeba, na Etiópia; Praga, na República Checa; e Baku, no Azerbaijão.Para o professor de Ética e Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano, a informação do que os parlamentares fizeram em viagens deveria ser mais bem detalhada e transparente. “Em se tratando de dinheiro público, um centavo é um tesouro. Não há o direito de não prestar contas de tudo o que você gastou. Do ponto de vista ético, é preciso prestar contas não apenas formais, ‘eu gastei tanto’ e ‘fiz aquilo’, mas trazer os resultados parciais do que foi discutido para distribuir aos seus pares e à sociedade.” Romano também questionou necessidade das agendas no exterior. “Graças à tecnologia, você tem condição de estar online e não presencialmente. O último recurso é a viagem física. Outro ponto: você não precisa de uma comitiva de grande porte, com dez deputados”, disse o professor da Unicamp. Os dados mostram, por exemplo, que a comitiva de nove deputados comandada no início do mês pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a Israel, Itália, Portugal e Palestina não é uma exceção. Só neste ano, dos 513 deputados, 134 foram autorizados a deixar o Brasil. DESTINOSSegundo os parlamentares que já viajaram em missões oficiais, a escolha dos destinos não é aleatória, ela tem relação com a localização de uma série de órgãos internacionais, como a sede das Nações Unidas, que fica em Nova York, ou o Parlamento Latino-Americano (Parlatino), localizado na Cidade do Panamá. Para autorizar uma viagem internacional, a presidência da Câmara determina que o deslocamento deve seguir a regra do interesse público: deputados podem viajar quando convidados para eventos de Parlamentos de outros países e organismos com os quais a Casa se relaciona. Nessa lista está o Parlatino, que tem como vice-presidente Heráclito Fortes (PSB-PI), o atual campeão de viagens ao exterior.Desde junho de 2015, o deputado deixou o País em 17 datas – oito delas em 2016. Na primeira vez, esteve em Le Bourget, na região metropolitana de Paris, para participar do 51.º Salão da Aeronáutica e do Espaço. Na última, visitou Nova York e Washington, para tratar de reforma tributária. No cumprimento do atual mandato, ainda passou pela Cidade do Panamá (seis vezes), Roma (duas vezes), Cartagena e Buenos Aires.“Não fiz turismo, são viagens de trabalho. Imagina um País como o nosso não ter uma participação no Parlatino? Temos de acabar com essa mania de cachorro vira-lata. O Brasil quer ou não ser grande?”, questionou o deputado, um dos nove parlamentares que viajaram recentemente com Maia.