O dinheiro recebido por Goiás pela venda da Celg Distribuição (Celg D) para a Enel foi pulverizado em 2017, o mesmo ano em que ficou disponível para o Estado. Ofícios da antiga Secretaria da Fazenda (Sefaz) mostram que o principal destino teria sido obras em rodovias. Depois, aparecem pagamento de impostos e de pequena parte da dívida que foi contraída para a alienação das ações da companhia, área de saneamento e, por último, unidades de saúde. Mas a dificuldade de acesso aos documentos que descrevem o caminho que essa verba (R$ 1,104 bilhão) percorreu fez com que surgissem agora, depois da troca de governo, muitos questionamentos. Dois anos após a conclusão da privatização, há Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Estado e até inquérito do Ministério Público de Goiás (MP-GO), instaurado no mês passado, sobre o tema.Em resposta, defesa do ex-governador Marconi Perillo (PSDB) reuniu ofícios, ata de reunião e demonstrações financeiras para provar qual teria sido o caminho do dinheiro recebido pelo Estado por conta da privatização. O POPULAR teve acesso aos documentos e, com base neles, fez levantamento que mostra onde, ao menos no papel, o dinheiro da Celg D foi parar.Diversas cidades foram beneficiadas com obras locais de saneamento ou unidades de saúde e, indiretamente, por melhorias em rodovias. Pelo menos 53 são citadas nos documentos. O montante foi utilizado no âmbito do programa Goiás na Frente, lançado por Marconi e que possibilitou que ele realizasse uma maratona de inaugurações antes de deixar o governo para tentar eleição como senador. O fluxo da destinação do dinheiro da Celg D, inclusive, foi intensificado nos últimos meses de 2017. De outubro a dezembro daquele ano, o volume correspondeu a 51,1% do total. O programa Goiás na Frente não foi cumprido integralmente com os R$ 6,1 bilhões em investimentos prometidos – o que incluía outras fontes de recursos além da venda das ações da distribuidora – e a justificativa é a crise financeira do Estado. Mas a verba da Celg D não foi utilizada nos convênios firmados com prefeituras no programa, dos quais somente 34,5% foi cumprido, segundo matéria de 3 de fevereiro de O POPULAR. O destino foi exclusivamente definido por decretos para Saneago, obras de rodovias e unidades de saúde, listadas como prioritárias pela gestão passada, além de repasses para a Celg Participações (CelgPar).ContribuiçãoA contribuição da privatização foi de R$ 734,764 milhões para as obras. Em muitos casos, não foi o suficiente para bancar sozinha todo o trabalho, mas entrou como parte do montante necessário para dar andamento, iniciar ou concluir projetos. Conforme a Lei 19.469, de 27 de outubro de 2016, os recursos provenientes da alienação só poderiam ser alocados para despesas com investimentos.Na alienação, os 49% da participação do Estado renderam R$ 1,104 bilhão, que ficaram sob a custódia da CelgPar desde a conclusão do processo em 14 de fevereiro de 2017. A estatal funcionou como um segundo Tesouro do Estado. Ela é que detinha a parcela das ações da Celg D. O governo estadual, assim, definiu que o dinheiro ficaria lá e toda vez que fosse utilizá-lo era preciso encaminhar ofício da Sefaz para a CelgPar para solicitar o depósito dos valores. Isso foi feito por 67 vezes de março a dezembro daquele ano.Por conta de aplicações financeiras, o recurso sob custódia da CelgPar rendeu R$ 39,119 milhões. É o que diz documento da vice-presidência da empresa. Assim, o montante final disponível para investimentos passou para R$ 1,143 bilhão. Disso, foi descontado 26,17% em impostos. A primeira solicitação de verba foi para a Saneago (8,75%) – no Portal da Transparência consta lista de obras, inclusive com R$ 700 mil a mais do que o descrito em ofício.De acordo com os documentos que a reportagem teve acesso, as rodovias receberam 25,77% do recurso e obras na área da saúde, 7,44%. Houve ainda R$ 205 milhões (17,93%) liberados para medição de obras, sem descrição de quais seriam. Ficou para a própria CelgPar 4,41%, para construção de subestações de energia em Luziânia e, curiosamente, também para fazer frente a operações da empresa de julho a outubro de 2017.Inquérito A promotora de Justiça Leila Maria de Oliveira, da 50ª Promotoria de Goiânia, determinou em fevereiro o aditamento de inquérito civil público cujo objetivo é saber se houve eventuais prejuízos ao patrimônio público com a privatização. Segundo ela, a investigação é para checar para onde foi o dinheiro e também para apurar a dívida assumida para a venda e perdões fiscais, incentivos e créditos outorgados concedidos para a nova dona da distribuidora, a Enel. Até a última sexta-feira (8), a promotora ainda não havia recebido os documentos solicitados para iniciar o trabalho e ainda há prazo para as partes enviarem. Ela deve instaurar, em breve, outros inquéritos sobre o tema. -Imagem (Image_1.1748086)-Imagem (1.1748129)