A recente aprovação do projeto de lei da Dosimetria na Câmara dos Deputados - que deve mudar as penas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da trama golpista - e a votação para salvar o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP) foram dois dos episódios políticos da semana que elevaram a tensão entre os poderes e lançaram holofotes sobre a fragilidade política do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), avaliam parlamentares goianos e especialistas ouvidos pelo POPULAR.Ao comentar a condução de Motta, o senador Vanderlan Cardoso (PSD) afirma que ele errou ao tentar “agradar demais” e colocar em análise “pautas-bomba”, a exemplo da votação da PEC da Blindagem, episódio cuja reação - marcada por manifestações em todo o País -, segundo Vanderlan, impediria que o presidente repetisse a iniciativa. Único goiano a votar contra a Dosimetria na Câmara, o deputado federal Rubens Otoni (PT) concorda que “não há mais espaço para o agravamento da relação entre os Poderes”, mas, por outro lado, diz acreditar que o rescaldo do desgaste ficará para Motta. “A presidência encaminhou o assunto de maneira equivocada”, afirma o petista. Vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, colegiado onde o PL da Dosimetria deve ser analisado na próxima quarta-feira (17), Vanderlan admite o clima de acirramento entre deputados e senadores diante das matérias pautadas por Motta na Câmara e que fizeram a “corda esticar”. O pessedista adianta que votará favoravelmente ao projeto na comissão. O relator é Esperidião Amin (PP-SC).“Mas ela não estourou. Acredito que haverá muita discussão, mas que será aprovada. Com a aprovação, essas tensões maiores, a tendência é dar uma acalmada. Como a corda esticou muito, começou a haver diálogo agora entre os Poderes. Nesses sete anos que estou lá, sempre vejo isso. As coisas só entram no eixo quando há diálogo”, diz o senador.O senador, contudo, avalia que os presidentes de qualquer uma das Casas só chegam ao posto “por meio de composições amplas”, que exigem equilíbrio e capacidade de pautar projetos que “nem sempre lhes agradam”. Também integrante da CCJ, o senador Jorge Kajuru (PSB) não comentou o tema porque está internado em Sorocaba (SP), conforme informou sua assessoria ao POPULAR. Sobre a votação da proposta no colegiado, a equipe do parlamentar afirmou que ele definirá o voto após reunião com a cúpula do PSB na próxima terça-feira (16).Otoni aponta contradições nas falas de parlamentares que antes defendiam slogans como “bandido bom é bandido morto” e agora se mostram favoráveis à dosimetria das penas. “O PL da Dosimetria na verdade é o PL da Impunidade. De repente, começam a defender redução de penas e até anistia? É uma desmoralização.”Já a deputada federal Lêda Borges (PSDB) minimiza a crise entre os poderes para dizer que “o Congresso só está cumprindo o papel dele ao colocar em votação essas propostas”. “Mas eu acho que o Senado vai fazer algumas alterações, e vai passar. Uma lei como essa tem efeito para todos. Tem alguns casos de crimes que não fizemos a exceção nesse projeto e o Senado vai fazer alguns ajustes”, afirma a tucana, acrescentando que a tendência é que o plenário análise a matéria apenas em 2026.EmbatesCientista político e professor aposentado da Universidade Federal de Goiás (UFG), Itami Campos critica a postura do Congresso ao tentar “derrubar” ou “rever” decisões do STF através de projetos de lei que “buscam beneficiar um grupo”: “Esse Congresso está sempre se colocando contra o Supremo. A posição do Congresso contra o governo não tem muita alternativa. O movimento está confuso. É um absurdo eles quererem liberar todo esse pessoal, diminuindo as penas.”Diante da formação de maioria no STF para cassar o mandato de Carla Zambelli, mesmo depois da Câmara votar pela manutenção, o cientista político Guilherme Carvalho avalia que o caso mostra que, ao reverter decisões do Legislativo ou do Executivo, o STF apenas cumpre o que a Constituição determina, mas ressalta que, em uma conjuntura polarizada, as ações se tornam “matéria eleitoral” e ganham “impacto crescente”. “É só ver que no governo Bolsonaro era Executivo versus Judiciário, e agora, é Legislativo versus Judiciário. Esse é um panorama do papel político que o Judiciário ganhou nos últimos anos. O caso da Zambelli é um exemplo disso.”Quem sai enfraquecido no atual cenário é Motta, diz Carvalho. “Ele revelou para todo mundo que ele não tem o tamanho dessa cadeira que ele senta. No Senado, o (Davi) Alcolumbre consegue que suas decisões sejam respeitadas pela liderança e pelo Judiciário. Por que? Ele faz tudo combinado. Ele não pauta sem ter certeza do resultado final. Isso é um traço marcante das relações institucionais”, afirma o especialista.Carvalho considera que o principal recado “deveria vir da Paraíba”, com a não reeleição de Motta. “Não tem maturidade para exercer essa função, talvez tenha outros méritos - e esse não é um deles. A circunstância das articulações levaram ele àquele cargo.” Para ele, as manifestações tendem apenas a reforçar o “fracasso de sua gestão”, que, afirma, já se soma a outras consideradas frágeis. ContextoAprovado na madrugada da última quarta-feira (10), o PL da Dosimetria pode antecipar a progressão dos condenados por envolvimento na trama golpista para o regime semiaberto. A proposta traria reduções tanto nas penas totais quanto no tempo mínimo em regime fechado. As punições cairiam de um patamar de 16 a 27 anos para uma faixa de 7 a 22 anos. A maior diminuição estaria concentrada no ex-presidente Bolsonaro: 5 anos e 2 meses.Diante da repercussão negativa com a aprovação da matéria, movimentos sociais, sindicais e partidos de esquerda convocaram mobilização contra o PL da Dosimetria e anistia para este domingo (14) em diversas capitais do País. Em Goiânia, o ato está marcado para às 15h na Praça Universitária. A ideia, segundo as divulgações nas redes sociais, é repetir a manifestação contra a PEC da Blindagem, que teve ampla adesão em setembro.