Passo 1: derrota do presidente da Câmara de Goiânia, Romário Policarpo (Patriota), no Supremo Tribunal Federal; Passo 2: vitória da oposição, hoje minoritária, em nova eleição para a mesa diretora do Legislativo para o biênio 2023-24; Passo 3: acusação de crime de responsabilidade contra o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) e abertura de processo de impeachment; Passo 4: aprovação do impeachment; Passo 5: eleição indireta para prefeito, quando vereadores escolheriam sucessor de Cruz, que poderia ser qualquer pessoa.Embora o caminho seja longo e a possibilidade tida hoje como remota, são com esses cinco passos que sonham um grupo minoritário de vereadores e lobistas influentes na Câmara, que visam tomar o poder de Goiânia.Pé no chão, eles sabem que podem não chegar a tanto, mas consideram que já valeria fazer o presidente da Câmara, que, como segundo na linha sucessória e apenas usando a ameaça de impeachment, poderia negociar bastante espaço, força e benesses na gestão.Essas articulações e, claro, as contrarreações de Policarpo e Cruz, dominam o cenário na Câmara e na Prefeitura de Goiânia atualmente e travam a gestão da cidade. Diante das investidas e de suas fragilidades, ambos se uniram e recontam em conjunto o número de vereadores que se manteriam fiéis a eles - hoje o cálculo é de 22 contra 8 (com 5 indefinidos).Em reuniões esta semana, na Câmara e no Paço, este grupo da situação fez acerto de permanecer unido, se preparando para uma possível derrota de Policarpo no Supremo, ainda que a defesa do presidente tenha esperanças de que ele sairá vitorioso.Já na oposição, a aposta é de que, se o presidente for derrotado, “o jogo zera” na Câmara e pode haver formação de novos blocos, especialmente por conta das fragilidades do prefeito.O Supremo marcou para a semana de 9 a 16 de dezembro o julgamento virtual da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) protocolada pelo Pros nacional contra a segunda reeleição de Policarpo. Considerando jurisprudência que indica limitação de dois mandatos consecutivos, o partido questiona a eleição - realizada de forma antecipada, em setembro do ano passado - do presidente para o próximo biênio.A defesa de Policarpo acha que pode haver decisão favorável, estabelecendo que o impedimento tenha validade só para novas disputas. Apesar da confiança, o grupo do presidente se mobiliza para um possível plano B, considerando que as novas eleições teriam de ser convocadas em pouco tempo.A posse da nova mesa ocorre no primeiro dia útil de janeiro. Se Policarpo sair derrotado, ele terá de convocar novas eleições, com comunicação prévia de 48 horas, conforme estabelece o Regimento Interno da Câmara.O grupo evita falar em um candidato, mas há pelos menos dois mais bem articulados na situação, segundo informações de bastidores. No entanto, o acerto vai depender também das negociações com a Prefeitura. “Fidelidade 100% não existe na política. Vamos ter de barganhar”, admite um auxiliar próximo do prefeito.Problemas na gestãoSe o grupo vencer, Cruz ganha fôlego importante, em um momento em que é cobrado a deslanchar a gestão. Já se sair derrotado, cresceriam as chances de um impeachment, um fantasma que ronda o Paço desde o início do mandato do prefeito, conturbado com sucessivas crises. Depois que a primeira-dama Thelma Cruz (Republicanos) saiu derrotada na disputa para uma cadeira na Assembleia Legislativa este ano e de insatisfações de aliados do Paço com o início da reforma do secretariado, a oposição vê maior enfraquecimento do prefeito.Para os vereadores da base, Wladmir Garcêz e Carlos Cachoeira - condenados nos desdobramentos da Operação Monte Carlo, de 2012 - são os principais articuladores de um impeachment. A forte influência de duas décadas sobre a Câmara e as pistas deixadas por Cachoeira na ação reforçam as suspeitas.O empresário é influente no Pros e a ex-mulher dele Andressa Mendonça assinou a ADPF, junto com o advogado Guilherme Augusto Mota Alves - protocolada em outubro. Aliados de Policarpo também dizem que ele tem se reunido com vereadores da oposição. Ele nega.Em discursos no final de outubro em plenário e esta semana em evento da Prefeitura, vereadores da base atacaram Cachoeira, sem citá-lo, e afirmaram que não aceitarão “golpe”. Embora sejam sinais de preocupação com o crescimento da especulação de impeachment (veja matéria nesta página), há também intenção de reforçar a dependência que o prefeito tem da Câmara e garantir seus interesses, avalia parte dos vereadores.Fragilizado desde que assumiu o mandato, com a morte do prefeito Maguito Vilela (MDB), Cruz enfrentou crises com o rompimento do MDB, que deixou a gestão em abril de 2021, com as investidas do grupo de correligionários de Brasília, que dominou as principais pastas, além de insatisfações da Câmara.A relação com Policarpo, apesar da união de agora, teve altos e baixos. Tanto que parte dos aliados do prefeito desconfiava de que o atual presidente é que teria intenção de promover impeachment. Do outro lado, o grupo do presidente da Câmara suspeitou que Cruz estivesse patrocinando as ações que questionam o terceiro mandato na mesa.Aliados do prefeito dizem que agora houve pacificação e os dois se juntaram diante do risco das investidas “de gente de fora da Câmara”. A turma de Cruz acredita que, se Policarpo for mantido na presidência ou eleger o sucessor, haverá tranquilidade na gestão.Caso haja derrota, no entanto, a situação se complica. De olho em ameaça de impeachment, o prefeito não só tenta fidelizar a base aliada, como também quer anunciar ações e obras para melhorar a imagem da gestão. Uma das medidas, que teve avanços na discussão esta semana, é a mudança nas regras do IPTU, que geraram uma das crises da administração no início deste ano.Aliados de Cruz também têm afirmado que ele não é candidato à reeleição, tentando afastar as investidas contra a gestão. “Ele quer apenas terminar o mandato em paz, avançar em realizações e seguir sua vida”, diz um dos auxiliares.Nos bastidores, o grupo de oposição busca alimentar a intriga entre os aliados: dizem que uma vitória deles na mesa “salvaria” o prefeito e que era Policarpo quem visava ao impeachment. Apesar da boa relação com o prefeito, o presidente faz críticas às trapalhadas da gestão nas conversas particulares com vereadores, dizem.O grupo não admite planos de impeachment, mas atua de fato para ter mais força na gestão.Na segunda-feira (28), o Giro mostrou que quatro vereadores vinham articulando um grupo para disputar a eleição da mesa: Leandro Sena (PRTB), Ronilson Reis (Brasil 35), Igor Franco (sem partido) e Welton Lemos (Podemos). No dia seguinte, eles negaram qualquer discussão a respeito e manifestaram que Policarpo está reeleito até o momento.Nos bastidores, no entanto, eles seguem se mobilizando, com outros quatro vereadores que também poderiam se unir a eles. Todos rejeitam as especulações de ligações com Cachoeira.ParalisaçãoEnquanto aguarda a decisão do Supremo e possíveis desdobramentos, a Prefeitura suspendeu o processo de reforma do secretariado, conforme mostrou O POPULAR nesta semana. Cruz havia dito em 17 de outubro que promoveria mudança na equipe, considerando “novo ciclo” da gestão, mas paralisou o processo à espera da definição para o Legislativo.Na quinta-feira (1º), o vereador oposicionista Lucas Kitão (PSD) subiu à tribuna para cobrar destravamento de pautas no Legislativo, como os Códigos de Postura, Tributário, e de Obras e Edificações, e a Lei de Parcelamento do Uso do Solo. Ele afirma que a demora afasta atração de investimentos para a cidade e a movimentação da economia.“Goiânia está parada. O Legislativo, votando poucos projetos importantes para a cidade e discutindo amenidades. O progresso está comprometido porque não votamos projetos importantes para destravar a cidade”, afirmou.Processo para impedimento é político e sem rigor jurídicoA lei estabelece dez hipóteses de infrações político-administrativas de prefeitos sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e à penalidade de cassação do mandato. Na prática, porém, a abertura de um processo no Legislativo e o julgamento são políticos, sem muito rigor jurídico ou técnico.Nos bastidores, o atraso no pagamento de emendas impositivas dos vereadores, o suposto uso da máquina em favor da campanha da primeira-dama Thelma Cruz (Republicanos) a deputada estadual e a piora das contas públicas (nota A para B no Tesouro Nacional, por exemplo) já foram apontados como possíveis motivações para uma representação contra o prefeito Rogério Cruz (Republicanos).Procurado para falar das normas de processo de impeachment, o advogado Dyogo Crosara ressalta o poder do Legislativo no caso: “O julgamento é político e o Judiciário não tem muito como entrar nisso. Motivação para um processo pode ser qualquer uma, quando há interesse político.A lei estabelece como infração, por exemplo, impedir o funcionamento regular da Câmara. Não atender os vereadores poderia ser motivo. Descumprir o orçamento, que é o caso de emendas. ‘Proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo’ pode enquadrar qualquer coisa”, afirma.Nos bastidores, aliados de Cruz dizem que estão atentos às possibilidades previstas na legislação e têm se resguardado para evitar uma representação. Eles admitem, no entanto, que é difícil controlar a situação se houver perda da maioria na Câmara.Além dos itens citados por Crosara, a lei também aponta como infrações: impedir o exame de documentos de arquivos e a verificação de obras e serviços municipais, por comissão de investigação da Câmara ou auditoria; desatender, sem motivo justo, as convocações ou os pedidos de informações da Câmara; retardar a publicação ou deixar de publicar leis e atos; deixar de apresentar à Câmara, no devido tempo, a proposta orçamentária; praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática; omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do município; e ausentar-se do município, por tempo superior ao permitido em lei, ou afastar-se da Prefeitura, sem autorização da Câmara.Uma representação contra o prefeito pode ser protocolada por qualquer cidadão à Câmara, que deve submeter o pedido ao plenário. A abertura de processo ocorre em caso de aprovação por maioria simples.O prefeito apresenta, então defesa prévia, a ser analisada por uma comissão processante, formada por três vereadores sorteados. Se o grupo concluir pela continuidade, há fases de produção de provas, oitiva de testemunhas e alegações finais. Depois disso, a comissão apresenta parecer final que tem de ser aprovado por dois terços da Câmara. O processo duraria até 90 dias.PROCEDIMENTOSSe houver cassação, o presidente da Câmara deve convocar eleição indireta e assume temporariamente a prefeitura. A Lei Orgânica de Goiânia estabelece que, em caso de vacância no cargo de prefeito no terceiro ano do período de governo, a eleição será feita em 30 dias pelo Legislativo. Antes disso, são convocadas novas eleições diretas.O processo no terceiro ano tem as mesmas regras da Justiça Eleitoral, com registro de candidaturas, mas apenas os vereadores votariam. Eles próprios podem ser candidatos.Apesar de se prevenir da possibilidade de cassação, o Paço afirma, por meio dos auxiliares, que não há preocupação com um processo. A reportagem tentou contato com o prefeito para falar do assunto, mas não teve retorno da assessoria. Cruz viajou na quarta-feira para evento de turismo em Foz do Iguaçu (PR).-Imagem (1.2572904)