Na primeira entrevista que concede desde que encerrou o mandato, no final de 2018, o ex-governador José Eliton (PSDB) repetiu por quatro vezes que é preciso “comparar” sua gestão com a do governador Ronaldo Caiado (DEM). O silêncio até setembro ocorreu justamente porque ele decidiu esperar nove meses de governo para relacionar com o mesmo período em que esteve no comando do Executivo no ano passado. Após a despedida do Palácio das Esmeraldas, Eliton dedica-se à advocacia, está escrevendo um livro sobre sua experiência política, e garante que não disputará novos mandatos eletivos, embora participe das discussões do partido. O atual governo quitou a folha de dezembro apenas na semana passada e passou todo esse tempo reforçando as críticas ao seu governo pelo atraso. O sr. se arrepende de não ter pago os salários do funcionalismo?Não, essa questão é muito mais de uma retórica política do que de necessidade do Estado de adiar o pagamento da folha. Desde 2015, grande parte da folha era paga até o dia 10 do mês subsequente. O próprio governador está pagando a folha atual até o dia 10, como a legislação estabelece. Contando com a arrecadação prevista até o dia 10 de janeiro, o Estado tinha recursos suficientes para quitar a folha. O senhor governador tomou uma decisão motivada, seja pelo discurso político, seja pela necessidade de fazer caixa para atender demandas que ele entendia ser prioritárias. Ele tanto tinha condições de pagar que antecipou o pagamento do mês de janeiro. Isso evidencia que ele tinha recursos e a decisão foi política, que eu acho equivocada.O governador Ronaldo Caiado repete que tinha R$ 11 milhões em caixa e um déficit de R$ 3,4 bilhões. Basta pegar o balanço que foi apresentado por ele ao Tribunal de Contas do Estado que se observa que na conta única havia saldo de R$ 11 milhões, mas havia saldo em várias outras contas que somavam mais de R$ 700 milhões. E havia uma previsão de arrecadação até o dia 10. Foi uma opção política. As pessoas têm noção clara da legalidade e do que foi feito, a meu ver. Torço para que ele pague dezembro deste ano em dezembro.Se diz que as pessoas têm noção clara, acha que não ficou desgastado por isso?Claro que fica desgaste. Mas qualquer pessoa minimamente informada sabe que o pagamento do Estado se dá até o dia 10.O que diz do fato de o TCE ter rejeitado as contas de 2018?Me causa estranheza. Temos alguns princípios fundamentais no Direito, de segurança jurídica e jurisprudencial, da inexigibilidade de conduta diversa. Eu assumi o governo em abril do ano passado, com parte do Orçamento já executado e dentro de regras que estavam vigentes no Estado. O TCE sempre observou determinadas regras para fazer o seu julgamento. E eu atuei de acordo com o que era jurisprudência firme do TCE. O que ocorreu agora foi a mudança de entendimento. Um exemplo é o cálculo de gastos com pessoal. Historicamente o TCE acolheu a vigência das emendas constitucionais 54 e 55 e sempre aprovou as contas. E agora mudou. Houve ação no Supremo contra as emendas e elas foram mantidas. São normas que estão na Constituição Estadual.O tribunal alega que vinha aprovando, mas sempre com alertas, recomendações e determinações que não foram cumpridas e chegaram no limite.Eu até ouvi um dos membros do tribunal na sessão dizer que há 40 anos é falado. Por que não resolveram fazer no 38º, no 39º, no 41º? Será que foi simplesmente a mudança de governo? Parece que as questões de natureza política ou circunstanciais falam mais alto do que a norma estabelecida ou a jurisprudência fixada pelo próprio tribunal. Caso o Tribunal de Justiça confirme a liminar anulando a sessão de julgamento (do TCE), teremos oportunidade de apresentar esses argumentos e tenho convicção de que os conselheiros vão poder reavaliar melhor.O Tesouro Nacional aponta Goiás entre os dois Estados que mais maquiaram gastos com pessoal e que isso escondeu a crise fiscal.O termo maquiagem não corresponde à realidade, mesmo porque uma emenda constitucional tem de ser encaminhada à Assembleia, os parlamentares têm de aprovar, em quórum qualificado, e portanto não foi feita de forma a esconder. Mais pública do que uma emenda constitucional é impossível. E o Tesouro Nacional coloca Goiás como um dos Estados medianos do ponto de vista de situação fiscal. Não temos letra D. Como outros tantos, temos letra C. Se pegarmos o conjunto da obra, no que diz respeito a contas públicas, vamos observar que Goiás se encontra como a maioria dos Estados brasileiros.Esse mesmo relatório do Tesouro aponta aumento de restos a pagar em 2018. Por quê?Tem relação com o gasto com o déficit previdenciário. E eu não podia fazer a transferência de restos a pagar, por ser mudança de mandato, como se fazia nos anos anteriores. Tivemos condições de arcar com muitas despesas, mas tivemos em restos a pagar repassados não só de 2017 como de anos anteriores um aumento significativo. Há todo um encadeamento lógico.Goiás tem uma crise financeira grave hoje ou não?Não difere da realidade de tantos Estados e está melhor que de outros tantos. O que se diz de grave crise de caixa parece mais um discurso de retórica política do que efetivamente de condições de governança. É claro que medidas teriam de ser tomadas, de austeridade. Mas o atual governo, apesar de todas as dificuldades, vem cumprindo com suas obrigações. É bem verdade que já teve muito mais do que eu tive, porque já aumentou o estoque da dívida, o que eu não fiz em momento algum. Porque no momento em que ele teve liminar para deixar de pagar parcela de encargos da dívida, ele acaba por aumentar a dívida pública e é a primeira vez que isso ocorre ao longo de 20 anos no Estado. Nós mudamos a curva de estoque da dívida que vinha sempre decrescente. Mas o fato é que Goiás tem uma condição fiscal difícil, como todos os Estados, mas é perfeitamente possível avançar, superar essas dificuldades e dar condições para investimentos em médio e longo prazo. Mas como se chegou a essa situação?Vou pegar o período dos meus nove meses. A gente pode fazer uma comparação muito clara. Eu assumi basicamente com as mesmas condições fiscais de hoje. Não aumentei um centavo do endividamento, até porque não podia, não tivemos acesso a recursos de securitização, de depósitos judiciais, não tive nenhuma receita extra, e ainda enfrentamos a greve dos caminhoneiros, que impactou muito a economia do País. E mesmo assim nós mantivemos os pagamentos regulares da máquina, conseguimos estabelecer avanços importantes em muitas áreas, e o Estado chegou ao final com grande parte de suas obrigações atendidas e com a máquina funcionando. Necessitava de ajustes? Claro, tanto que tive a coragem de falar isso em debate eleitoral. Eu falava da preocupação com aumento de despesas com pessoal. Eu disse publicamente que não ia extinguir soldado de terceira classe caso reeleito. Porque impactaria as contas públicas em R$ 140 milhões. Eu nunca falseei a verdade. Hoje nós já temos aumento neste exercício de mais de R$ 1 bilhão da folha. Parece que houve muito mais um sentimento de alcançar o poder do que de executar através do poder algo bom para as pessoas. Às vezes as pessoas vão perdendo o comparativo. Fizemos batalhão de terminal, aumentamos investimentos em segurança, concluímos Credeqs, fizemos a Faculdade do Esporte, aumentamos o Goiás Mais Enem, criamos terceiro turno na saúde. Não era o melhor caminho? Pode ser. E qual é? Eu não vejo o governo apontando caminhos. Nós apontamos um norte. Qual é o do atual governo?O sr. diz que nunca falseou, mas o governo vinha falando em anos anteriores que Goiás foi o primeiro Estado a sair da crise, que adotou medidas de austeridade, de prevenção, mas aí chegamos à nota C e tem três anos que repetimos a nota C. O governo fazia o discurso de não ter dificuldade financeira grave.Mas o Estado tomou medidas muito duras de 2014 para 2015 e depois para 2016.Então o que provocou a piora?É que o Estado não pode ficar com discurso fiscal apenas. Tem de dar solução para os problemas da sociedade, tem de investir em infraestrutura, em saneamento, educação, saúde, segurança. O gasto com segurança cresceu exponencialmente nos últimos três anos, chegando a superar a vinculação obrigatória da saúde. Tivemos em 2018 13,77% de aplicação em segurança. Era demanda premente e era preciso que o Estado desse resposta. Se pegar o balanço de 2015 e de 2016, tivemos um ajuste fiscal muito severo, as contas públicas melhoraram, mas tivemos um índice muito baixo de investimento. O Estado precisa equilibrar essas duas situações. E esse aumento de investimentos coincide com ano eleitoral?Não é ano eleitoral porque o aumento se deu principalmente em 2017, quando entraram recursos da privatização da Celg e houve maior capacidade de investimentos do Estado. Tivemos avanços significativos. O que acho é que o atual governo tem um discurso fiscal forte aliado a um discurso político de ataques. Até agora não vejo ainda o discurso de futuro, de projetos, de metas, como sempre tivemos. Alguns podem discordar dos governos do PSDB, mas penso que toda a sociedade goiana reconhece a transformação que Goiás observou ao longo dos anos.O sr. falou de ataques, houve recentemente uma troca de ofensas entre o governador e o ex-governador Marconi Perillo. O que achou?Lamentável sob todos os aspectos. Fazer política é discutir teses, caminhos para o Estado, para a Nação. Quando descamba para esse tipo de discussão, não há vencedores, apenas perdedores. Lamento profundamente que estejamos vivendo um cenário como esse e não só em Goiás, mas no Brasil. As pessoas pegam o celular, fazem selfie, xingam o outro, e atacam e isso vai ficando por isso mesmo. É muito ruim esse tipo de comportamento, de políticos que sustentam sua popularidade em cima de ataques. Me parece que esse não é o melhor caminho para ninguém. O bom debate é sobre teses. Eu jamais vou trilhar esse caminho. Neste caso específico, acho que o atual governador equivocou-se ao partir para ataques dentro de uma missa e depois partir para agressões pessoais. Não é o melhor caminho para a política.O discurso do governador é que grande parte da dificuldade financeira do Estado está relacionada à corrupção e ao enriquecimento de pessoas que estiveram no governo, e isso ganha eco especialmente por conta da Operação Cash Delivery, do ano passado. O que acha? Mais uma vez é lamentável, mesmo porque ele é chefe do Executivo. Ele não tem competência para tratar dessa matéria. Ele foi eleito para dar solução aos problemas de Goiás. Se houve (corrupção) - e eu tenho clareza de que muito do que é propagado é fruto apenas de ataques gratuitos e motivação política -, deve ser dirimido pelo órgão competente, que é o Poder Judiciário. Eu como governador jamais fiz qualquer ingerência sobre competência de outro Poder. Se eu tivesse notícia de algo irregular, que ferisse a legislação, a minha atribuição seria encaminhar ao poder competente para que apurasse. Assim penso que o governador, se eventualmente tem informações, cabe a ele serenamente encaminhar para os órgãos competentes. Esse discurso vai levando o Brasil para um cenário de confronto de pessoas e não de teses, de desconstrução dos valores que ao meu ver são maiores. É muito triste ver a política em nível tão baixo.Acha que foi equivocado o tom da resposta do ex-governador Marconi Perillo?Me parece que ele se defendeu. Adjetivações eu acho que não devem ser usadas por ninguém. Esse não é o melhor caminho. Acho que o ex-governador tem o direito de se defender quando atacado, deve fazê-lo e é o que tem feito. Acho que muita injustiça foi ou está sendo perpetrada contra o ex-governador. Mas a reação deve ser conforme a grandeza que ele tem no cenário de Goiás e no cenário político. O que teve de injustiça contra Marconi?Acho que muitas pessoas acusam sem qualquer prova, sem qualquer situação e isso vai ficando por isso mesmo. Outro dia a mídia noticiou o cúmulo de uma denúncia anônima ser divulgada em termos mais absurdos do mundo. Não é por aí que se constrói uma política melhor, um futuro melhor. O governador associa a corrupção a questões administrativas, como quando diz das mudanças no Detran ou na Codego. Eu acho que é uma cortina de fumaça para cobrir as dificuldades que ele tem de governar. É uma retórica política.Um outro fato que gerou desgaste da sua despedida do governo foi a liberação de recursos para pavimentação de estrada que passa por sua fazenda. Esse tema é interessante porque toda vez o governador fala dessa estrada. Mas ela foi planejada pelo Oton Nascimento, pai do Oton que foi secretário (no governo Alcides). Depois no governo Santillo, ela foi estabelecida chamada estrada-parque. Ela já estava em execução quando eu assumi o governo. Já estava programada muito antes de eu ter fazenda lá. E o senhor governador parece que não conhece a região. Eu o convido para ir lá conhecer, para ele andar na estrada, para ver por quantos povoados ela passa, por quantos distritos passa, por assentamentos. É o mesmo quando ele diz que não fizemos nada pelo Nordeste. Fizemos um conjunto de obras que avançaram o desenvolvimento dos municípios. Acho que deveria conhecer, andar nas cidades, ver de perto, antes de criticar.O governo propôs lei para uso de depósitos judiciais semelhante ao que foi aprovado em seu governo e barrado em ação no Supremo. O que achou?A utilização dos recursos é importante até porque não tem sentido nenhum ficar um volume de recursos daquele parado. Agora realmente lá atrás o atual governador foi de maneira muito veemente contra e colocou um partido de sua base para questionar no Supremo, que deferiu a liminar suspendendo os efeitos da lei anterior. E no final do meu exercício, eu liguei para o governador e defendi a lei. Hoje me estranha a mudança de posição. Mas o mais preocupante do ponto de vista técnico, jurídico, é como o Supremo vai entender essa manobra, que pode ser entendida como uma burla à decisão. Isso me parece absolutamente temerário. Quanto a 2020, o sr. já descartou a possibilidade de ser candidato. Quem deve ser o nome do PSDB em Goiânia?Eu acho que o PSDB tem de olhar com muito cuidado as principais cidades. Aqui na capital o partido tem bons nomes, a exemplo do Talles Barreto, Raquel Teixeira, Cristina Lopes, Anselmo Pereira. Mas é preciso pensar e pensar inclusive com olhar também em 2022. Temos a candidatura posta do deputado federal Francisco Júnior (PSD). Estive com ele recentemente, é um bom nome, uma pessoa qualificada. O deputado Henrique Arantes (PTB) talvez também vá disputar. É preciso conversar com esses partidos, ter capacidade de dialogar. Talvez construir já no primeiro turno uma aliança importante. Mas mais importante que o nome é discutir que cidade o PSDB defende. Qual é o modelo? O modelo do atual prefeito já está claro, a população conhece. O PSDB sempre se notabilizou por ter uma visão social muito forte. É um componente que devemos colocar na discussão, uma agenda voltada para o ser humano. Goiás foi exemplo na criação da maior rede de proteção social do País. Precisamos de modernização, de inclusão digital, de olhar para o futuro.O candidato apoiado por Marconi não terá muitos desgastes, algo que já ocorreu na eleição anterior?Vai depender muito de como o candidato vai se apresentar. Eu acho que o ex-governador não será candidato, pelo que ele tem dito.E ele não vai participar da campanha? Espero até que participe. Acho que ele tem valor, tem a contribuir com Goiânia e com os municípios. Agora, é um decisão pessoal. Até onde sei ele está muito voltado a atividade profissional. Acho que o partido tem sempre de defender a história, o legado do partido.E 2022, Marconi tem de ser candidato?Acho que sim. A que, cabe a ele decidir. Enquanto liderança política que é, acho que contribuiria com o partido. Se for candidato a deputado, poderia ajudar na composição de uma base parlamentar do PSDB. Ele é que tem de definir. Não seria o momento de o PSDB buscar renovação?Por quê? Renovação não é ruptura. Renovação é avanço. No avanço se busca experiências positivas que se aliam a experiências novas. Neste cenário, a participação política de todos é importante.Depois do fim do governo, Marconi foi alvo de várias ações do Ministério Público. O sr. foi alvo da Operação Decantação 2. Isso o preocupa?Já prestei todas as informações que as autoridades policiais me solicitaram e aguardo com serenidade a conclusão.