Municípios vão à Justiça para tentar rever o percentual de atualização do piso dos professores da educação básica, formalizado em 33,2% por portaria assinada nesta sexta-feira (4) pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). O reajuste já havia sido anunciado na semana passada, gerando reação de entidades municipalistas, que aguardavam a formalização para questionar o aumento.Em Goiás, como o POPULAR já havia mostrado, o reajuste deve gerar um impacto superior a R$ 650 milhões por ano para as prefeituras, segundo previsão inicial feita pela Federação Goiana dos Municípios (FGM). A entidade, em conjunto com a Associação Goiana dos Municípios (AGM), tem orientado prefeitos a concederem aumento limitado apenas à reposição inflacionária, que ficou em 10,16% em 2021 — valor do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).Com a portaria assinada, o presidente da FGM, Haroldo Naves (MDB), diz que agora há objeto para ser questionado na Justiça, o que deve ser feito “o mais breve possível”. “Estamos estudando como fazer (entrar com ação), se será em primeiro grau ou no STF (Supremo Tribunal Federal), via CNM (Confederação Nacional dos Municípios) ou se cada município precisará agir”, relata à reportagem.Para ele, o reajuste de 33,2% é ilegal. “Se baseia em lei que foi revogada em 2020. É uma medida eleitoreira e que fere também outras leis como a de Responsabilidade Fiscal (LRF). Para validar uma nova base de cálculo, precisam de uma nova lei específica.” O argumento tem sido usado por prefeitos e entidades desde o anúncio da atualização, com base no fato de que o reajuste segue os critérios da Lei 11.738/2008, que regulamenta o piso.Essa lei, por sua vez, determina que a atualização seja calculada com base no percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno nos termos da Lei 11.494, de 20 de junho de 2007, que foi revogada em 2020 pela lei que regulamentou o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).Vem daí o argumento de que o reajuste provoca insegurança jurídica, que é visto por especialistas, contudo, como uma forma de ganhar tempo, uma vez que a nova legislação trata do valor anual mínimo por aluno, parâmetro usado para cálculo da atualização do piso.São duas as questões centrais da reclamação dos prefeitos. A primeira é financeira. Eles garantem não ter condições de conseguir arcar com o aumento e temem extrapolar o limite de gasto com pessoal estabelecido pela LRF, que restringe a 54% da Receita Corrente Líquida o que pode ser gasto para pagamento da folha dos servidores municipais.Uma das principais razões para o percentual do reajuste ser de 33,2% — o maior da história — é pelo fato de que, pela diretriz seguida, o salário inicial tem variação ancorada, entre outros parâmetros, na arrecadação de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pelos estados, que tiveram arrecadação recorde em 2021.Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo em 2 de fevereiro, os estados arrecadaram R$ 637 bilhões com o ICMS até novembro de 2021, um crescimento de 22,6% em relação ao ano anterior. Logo, com maior arrecadação, o piso também aumenta.O levantamento do Estadão usa dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), referentes ao período de janeiro a novembro de 2021. Nele, Goiás foi o segundo estado no País com maior crescimento na arrecadação, tendo um aumento de quase 32% sobre 2020. Receita total de R$ 21,3 bilhões. Dados do Portal da Transparência de Goiás, porém, mostram que o estado fechou o ano (janeiro a dezembro) com receita do imposto ainda maior: R$ 21,8 bilhões.EleitoralO segundo ponto de reclamação dos prefeitos tem cunho político. Tanto a CNM quanto entidades municipalistas goianas classificam o reajuste determinado pelo governo Bolsonaro como eleitoreiro. Isso ocorre, em grande parte, pelo fato de que o piso é definido pelo governo federal, mas pago por prefeituras e governos estaduais. Isto é, faz-se “aceno com chapéu alheio.”O próprio ministro da Educação, Milton Ribeiro, adotou certo tom eleitoral durante a assinatura da portaria que oficializou o reajuste, nesta sexta-feira (4), no Palácio do Planalto. “Em 2022, o protagonismo será dos profissionais de educação. Chega de usar os professores, os profissionais de educação, apenas como uma massa de manobra político-eleitoral. Está na hora de ações diretas”, relatou.Com ampla base sindicalizada, a categoria do magistério costuma ter maior ligação com a esquerda, e a fala do ministro ocorre no ano em que Bolsonaro deve disputar a reeleição tendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como principal adversário nas urnas. Piso segue capacidade fiscal, diz TCMAo POPULAR, o Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO) diz que “a concessão ou não do piso nacional aos servidores municipais deve ser feita por lei municipal e, apesar ser uma garantia insculpida na Constituição (Federal), é realizada segundo a capacidade financeira de cada ente.”Em outras palavras, a prefeitura pode conceder o piso “na data (a partir de quando, se retroage ou não etc.) e forma (se integral, se parcial, se parcelada etc.) que melhor atender ao interesse público local, obedecida a Constituição e a legislação que rege o tema, especialmente de direito financeiro e gestão fiscal”, diz o texto do tribunal.Apesar disso, e de reconhecer que nem todos os 246 municípios goianos “terão espaço fiscal para adequação imediata do reajuste do piso nacional do magistério em 33,24%”, o TCM-GO alerta que “o cumprimento do piso nacional do magistério é uma imposição constitucional e legal, sendo que o gestor público deve adotar as medidas necessárias para cumpri-la dentro da capacidade orçamentária e fiscal.”Em nota, o tribunal diz que é “necessário que primeiro sejam implementadas medidas compensatórias de gestão fiscal, de modo a diminuir despesas de pessoal em outras áreas dentro daquilo que o gestor entenda que possa ajustar, principalmente, se o índice de gasto com pessoal possa estar comprometido, ou até mesmo o aumento de receita”, como aumento de tributos.Em Goiás, já existe prefeito que confirma o cumprimento imediato do piso. É o caso do de Uruaçu, Valmir Pedro (PSDB). Ao POPULAR, na semana passada, ele disse que, para isso, precisará fazer ajustes.“Vou ajustar a máquina pública ainda mais e devo extrapolar o limite da LRF. Estou em 50% hoje e devo chegar a 55%. Vou ter o ano para fazer a receita crescer e enxugar a máquina para chegar no fim do ano abaixo de 54%”, declarou. O reajuste deve gerar um impacto de aproximadamente R$ 400 mil mensais na cidade.