O governo estadual e o prefeito de Pires do Rio (Região Centro de Goiás), Hugo do Laticínio (Podemos), seguem em embate depois da troca de provocações em palanque na última quarta-feira (9) em evento de inauguração do Contorno Oeste do município. O presidente da Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes (Goinfra), Pedro Sales, afirmou ao POPULAR nesta segunda-feira (14) que vai protocolar uma interpelação judicial contra o prefeito pedindo provas sobre a acusação de superfaturamento.De outro lado, Hugo gravou vídeo nas redes sociais em que destaca material de divulgação da própria Goinfra, em novembro de 2021, com anúncio de que a obra custaria R$ 27,4 milhões, em contraponto ao valor final, de R$ 75,4 milhões.O embate começou quando o prefeito apontou questionamentos - em conversa particular no carro com o governador Ronaldo Caiado (UB) e depois no palanque - sobre o valor de R$ 6 milhões por quilômetro do contorno, enquanto a média de obras da Goinfra seria de R$ 2 milhões. Hugo alegou que recebia indagações da população do município.Em discurso, Caiado elevou o tom contra o prefeito, afirmando que ele não poderia “atacar a honra de uma estrutura, de um secretário, de um empresário da cidade, por tese de achismo”. “A gente tem de ter responsabilidade no que fala e, se fala, tem de ser homem suficiente para provar”, completou o governador.A obra foi construída por meio de parceria público-privada (PPP), com assinatura do Termo de Acordo de Regime Especial (Tare) com empresa do grupo Tomazini - Nutriza Agroindustrial de Alimentos S/A, da marca Friato. O acordo foi assinado em 2022, quando Cida Tomazini (UB) era a prefeita. A PPP estabelece que a empresa seja responsável pela contratação da empreiteira que executará a obra e pelos pagamentos, e depois deixe de recolher tributos estaduais para compensar o valor aplicado.Em 2021, quando o governador assinou, em Pires do Rio, decreto de declaração de utilidade pública (DUP) como primeira etapa para viabilizar a execução da obra, a Goinfra divulgou texto - ainda disponível no site do órgão - que informava que o contorno custaria R$ 27,2 milhões por 12,4 quilômetros.Já em março de 2022, na assinatura do Tare, o valor estimado era de R$ 59,35 milhões. A compensação tributária ocorreria em 30 parcelas de R$ 1,97 milhão. A Nutriza contratou então a construtora São Cristóvão para executar as obras. O projeto foi adquirido também pela Nutriza e, segundo a Goinfra, teve de ser aprovado pelos técnicos do órgão.Em janeiro de 2023, alegando alteração do valor por conta da aprovação do projeto executivo e de desapropriações, o governo reajustou o Tare, que saltou para R$ 72 milhões. Para as desapropriações foram destinados R$ 7,34 milhões. Em dezembro do ano passado, houve novo aumento, sob alegação de “aprovação do projeto da nova geometria dos trevos 1 e 5”. O custo foi a R$ 75,4 milhões.Pedro Sales afirma que houve erro na divulgação feita em 2021, alegando que não havia ainda projeto que permitiria apontar o preço. Segundo ele, a estimativa foi informada por uma diretoria e divulgada pela equipe de comunicação, mas de forma “muito incipiente e totalmente conjectural”. O presidente da Goinfra afirma que o valor orçado inicialmente foi dos R$ 59 milhões. “Nunca teve esse custo de R$ 27 milhões”, diz.O auxiliar do governo também alega que a obra do contorno tem especificidades, como camada mais espessa de material de pavimentação, quatro trevos, desapropriações e trechos duplicados, que justificam o valor.Hugo do Laticínio, que derrotou Cida na tentativa de reeleição no ano passado e segue como rival da família na cidade, já vinha manifestando insatisfações e cobranças, inicialmente pela demora na liberação da obra, depois por casos de acidentes e falta de sinalização e iluminação. No evento de quarta, quando teve oportunidade de acompanhar o governador do aeroporto até o local evento, o prefeito também falou sobre o custo da obra, justificando que vinha sendo indagado pela população sobre o fato de ser o triplo da média de contratações da Goinfra.Ao discursar no evento, Pedro Sales defendeu o valor da obra e ressaltou que houve uma inspeção do Tribunal de Contas do Estado (TCE-GO) no ano passado, que, segundo ele, não constatou qualquer dano ao erário e foi arquivada.O prefeito então, ao discursar, disse que Pedro Sales havia dado explicações por conta dos questionamentos que ele apresentou ao governador. E provocou o grupo Tomazini e o Estado a fecharem parcerias para investir na área da saúde. Isso porque o empresário Chico Tomazini, marido de Cida, havia sugerido em discurso mais cedo no evento que fizessem, no mesmo modelo de parceria, a duplicação da rodovia de Pires do Rio a Cristianópolis. “Se aplicaram R$ 75 milhões nos 12 quilômetros, imagina quanto eles vão querer para essa duplicação? Então eu só sugeri que dessem um pouco, uns R$ 10 milhões, para o hospital que a ex-prefeita deixou sem equipamentos”, afirma o prefeito.Enquanto Caiado dava a bronca no discurso, Hugo do Laticínio se levantou e se aproximou do governador, com um envelope nas mãos e tentando falar do caso. Caiado mandou que ele se sentasse. Pedro Sales afirma que, neste momento, o prefeito afirmou que tinha provas de superfaturamento. “Quando ele afirmou que vai provar, é uma afirmação grave e é dele. Não veio de indagação da população, como ele havia afirmado antes. Se ele não provar, vai precisar responder. A interpelação judicial é isso. Ele apenas precisará provar perante a autoridade judicial. Isso serve para que a gente faça esse debate no ambiente técnico, imparcial, onde ele poderá embasar até melhor a formulação”, diz o presidente da Goinfra.Hugo do Laticínio nega que tenha falado em provas e alega que o envelope continha requerimentos ao governo estadual com pedidos de investimentos em várias áreas, sem qualquer relação com o caso. “Eu citei no meu discurso o que tinha no envelope. Eu estava com ele em mãos. O Pedro Sales é que precisa provar que eu falei que ia provar”, afirma. “Eu não acusei ninguém. O Pedro Sales que quis fazer palco, que faz politicagem. Acho que eles não são acostumados com um prefeito transparente, que tem a coragem de mostrar a verdade”, completa o prefeito.Questionado sobre o fato de Pedro Sales dizer que a divulgação do valor de R$ 27 milhões foi um erro da comunicação, o prefeito voltou a provocar: “Ah, então quem fez conta de padeiro foi o pessoal da Goinfra, foram os engenheiros dele?”.A expressão “conta de padeiro” havia sido usada pelo prefeito no discurso quando comparou a média de R$ 2 milhões com o custo de R$ 6 milhões. Em resposta, em vídeo publicado nas redes sociais, Pedro Sales disse que a Goinfra não faz conta de padeiro, mas tinha engenheiros e técnicos para realizar os levantamentos adequados.A reportagem checou no Portal do TCE-GO o resultado da inspeção realizada na obra. Em acórdão publicado em dezembro do ano passado, o processo foi arquivado com recomendações à Goinfra para que monitorasse trechos entregues conforme regras da agência e que exigisse da São Cristóvão a extensão da garantia da obra por mais três anos, além do prazo quinquenal estabelecido em lei. A prorrogação foi formalizada no mês passado.EmpresasA Associação Goiana das Empresas de Engenharia (AGE), entidade que tem como vice-presidente o dono da construtora São Cristóvão, Sérgio Murilo Leandro Costa - responsável pela obra do contorno de Pires do Rio -, divulgou nota nesta segunda-feira (14), que fala em “lamentáveis e inaceitáveis ilações” praticadas pelo prefeito.“As empresas de engenharia de Goiás são reconhecidas nacionalmente por sua capacidade técnica, espírito inovador, respeito aos princípios éticos e compromissadas a contribuir para o desenvolvimento do Brasil e de Goiás. Igualmente os setores públicos de Goiás, notadamente a Goinfra, norteiam sua atuação nos mais elevados padrões de responsabilidade, conhecimento técnico e zelo com a gestão dos recursos públicos, sendo imperioso contestar firmemente qualquer ilação ou denúncia sem prova que contrarie esta visão”, diz a nota.O documento afirma ainda que a postura do prefeito “causa estranheza, já que neste momento o setor de infraestrutura se prepara para um momento de lançamento de um ambicioso programa de obras”.O POPULAR solicitou posicionamento à empresa Nutriza, mas não recebeu resposta até o fechamento desta edição.