Em meio a investigações sobre fraudes em pagamentos de salários com suspeita de desvios de cerca de R$ 3 milhões, a Prefeitura de Goiânia renovou por mais um ano e pelo valor de R$ 1,09 milhão o contrato com a empresa Sistema de Gestão Pública (Sigep), responsável pelo processamento da folha do funcionalismo do município. A Prefeitura afirma que o aditivo valerá apenas até o resultado de nova licitação, a ser realizada em data ainda não definida.A Secretaria Municipal de Administração (Semad) alegou, em nota, que a migração para um novo sistema “requer procedimentos técnicos complexos, incluindo transferência e certificação de integridade dos dados e parametrização, o que não pode ser realizado de forma imediata”. Acrescentou que a renovação visa evitar “descontinuidade dos serviços essenciais”.O POPULAR revelou em 21 de agosto as investigações sobre irregularidades em pagamentos de salários a aposentados já mortos ou a pensionistas com repasses suspensos por falta de atualização cadastral. Três funcionários da Sigep que atuavam no Paço Municipal foram demitidos e a empresa apresentou, em 27 de agosto, relatório com detalhamento das alterações de cadastros no sistema.O documento está sob análise da Controladoria Geral do Município (CGM), que informou que só divulgará as informações depois da conclusão.A Sigep foi contratada pela Prefeitura em setembro de 2022, para fornecimento de software de gestão de recursos humanos, na gestão do ex-prefeito Rogério Cruz (SD), ao custo de R$ 1,12 milhão por 12 meses. Desde então, houve renovações anuais. Dados do Portal da Transparência da Prefeitura apontam que a empresa recebeu média de R$ 80 mil mensais desde que começou a operar no município.No início do ano, depois de atrasos nos pagamentos do contrato por parte da Prefeitura, a empresa havia manifestado falta de interesse na renovação.Ao justificar o aditivo, a Semad destacou o fato de a Sigep ter afastado seus funcionários e afirmou que “exigiu o cancelamento de todos os acessos de usuários no sistema, bem como a revisão de perfis e permissões e novo recadastramento em estrita observância às funções pertinentes a cada servidor”. A gestão municipal considera que a empresa tem colaborado com a apuração e que não há suspeitas de participação da direção no suposto esquema.A Semad também reafirmou a intenção de contratar auditoria externa independente “determinada pelo prefeito Sandro Mabel” (UB). O POPULAR havia mostrado em agosto que a Prefeitura fez consulta ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) sobre a possibilidade de realizar contrato emergencial da auditoria, diante das suspeitas de fraudes.O município não informou em que fase está a possível contratação, mas sinaliza para abertura de licitação também para este objeto. Segundo a nota, o foco será “verificar eventuais irregularidades e garantir maior transparência e economicidade”.A Semad afirma que a prorrogação com a Sigep “não implica na interrupção ou comprometimento às apurações já instauradas”. Além da CGM, a Polícia Civil está investigando o caso das possíveis fraudes. A Sigep também protocolou representação no Ministério Público Estadual (MP-GO) com o resultado da apuração interna.O MP-GO informou, por meio da assessoria, que o caso foi distribuído à 20ª Promotoria de Justiça e que o “procedimento encontra-se em fase preliminar de análise da extensa documentação, para a tomada dos devidos encaminhamentos e diligências iniciais que se fizerem necessárias”.duas opçõesComo o contrato com a Sigep venceu este mês, a Prefeitura tinha duas opções: renovar ou buscar uma outra empresa para contrato emergencial. Além da complexidade da migração de dados - em um quadro de quase 50 mil servidores -, a questão do preço também teria motivado o aditivo por mais um ano. Nos bastidores, a informação é que os valores cobrados por outras empresas são superiores ao estabelecido no contrato da Sigep.“Diante da necessidade de assegurar a gestão de informações funcionais dos servidores, o cumprimento de obrigações sociais e de folha de pagamento, foi necessária a prorrogação contratual, porém, com cláusula resolutiva até a finalização do processo de nova licitação e migração, nos termos da legislação vigente”, diz a nota da Semad.Segundo a gestão municipal, o processo para lançar a licitação do sistema da folha está em fase de “modelagem dos requisitos técnicos considerando a necessidade de mitigação de riscos, dentre outros”. A previsão é de realizar o certame ainda este ano, mas não há informação de data, segundo a Secretaria Municipal de Comunicação (Secom).como era o esquemaAs apurações até aqui apontam suspeita de que o esquema tenha iniciado em 2023, com aumento das fraudes a partir do ano passado. Houve identificação de alterações indevidas em cadastros de pelo menos 55 pessoas no sistema da folha. A manipulação de dados foi feita por meio de logins e senhas de 18 usuários do sistema de gestão da folha da Prefeitura, sendo 15 de servidores públicos e os 3 funcionários demitidos da Sigep. A CGM afirma que ainda não há indício de participação dos servidores no esquema.Na movimentação comum da folha, quando um servidor ou aposentado morre, há o registro de exoneração por falecimento, com a exclusão do nome nos pagamentos mensais. O esquema funcionava com a reinserção dos falecidos na lista de beneficiários da aposentadoria e alteração dos dados cadastrais, incluindo nova conta bancária para destinação do salário.Logo depois da liberação dos valores, o usuário apagava os rastros da manipulação, retomando os dados originais e a exoneração anterior do aposentado. Além da destinação indevida, ainda há registros de fraudes no sistema para turbinar o pagamento do aposentado, incluindo gratificação adicional de férias ou extras.A investigação teve início em março deste ano, quando o Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Goiânia (GoiâniaPrev) identificou um caso de pagamento suspeito a um aposentado já morto e comunicou à CGM.A reportagem solicitou posicionamento da Sigep sobre a renovação do contrato e medidas para evitar novas fraudes, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.