A Polícia Federal ignorou o procurador-geral da República, Augusto Aras, ao não comunicar à defesa do ex-ministro da Justiça Sergio Moro a realização do interrogatório de Jair Bolsonaro no inquérito que apura a suspeita de interferência política do presidente na corporação.Em manifestações enviadas em setembro ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), portanto mais de um mês antes do depoimento, Aras ponderou a necessidade de intimação da Procuradoria e dos advogados dos investigados quando da realização de oitivas.Bolsonaro foi ouvido pela PF no Palácio do Planalto na quarta-feira (3), ocasião em que negou a acusação feita contra ele e afirmou que Moro condicionou uma troca no comando da corporação à sua indicação para uma vaga de ministro do Supremo, declaração rebatida pelo ex-juiz da Lava Jato.A defesa de Moro não participou do interrogatório e, em nota à imprensa, reclamou do fato de não ter sido “intimada e comunicada oficialmente com a devida antecedência, impedindo seu comparecimento a fim de formular questionamentos pertinentes”.Em 2020, ainda na relatoria do caso, o ex-ministro Celso de Mello concedera aos advogados de Moro o direito de acompanhar o interrogatório de Bolsonaro e fazer perguntas. Foi uma medida em caráter excepcional - não é de praxe que isso ocorra na fase policial. Procurada pela reportagem, a PF afirmou que não se manifestaria.Em agosto deste ano, em dúvida acerca dos procedimentos a serem observados na condução do inquérito, a polícia perguntou ao atual relator, Alexandre de Moraes, sobre algumas providências definidas ainda nos primórdios da apuração. Por exemplo, a possibilidade de a Procuradoria e advogados de Bolsonaro e Moro formularem perguntas quando da realização dos depoimentos de eventuais testemunhas.Em resposta a tal questionamento, Moraes dispensou este procedimento por entender que ele foi necessário apenas na fase inicial da apuração.O ministro escreveu: “Autorizo o delegado de Polícia Federal a proceder às oitivas de eventuais testemunhas sem a necessidade de intimação nos termos antes determinados, inclusive dos advogados dos investigados”.Aras fez ressalva a esse entendimento. “(Este procurador-geral) pondera a Vossa Excelência a necessidade da intimação do Ministério Público Federal, dos advogados e dos interessados”, afirmou. O chefe do Ministério Público Federal se posicionou nos dias 2 e 30 de setembro.Para justificar a ponderação ao magistrado, o procurador-geral não citou a decisão de Celso de Mello do ano passado, mas artigo da Lei nº 8.906 (Estatuto da Advocacia), que trata das prerrogativas dos advogados.Foi Aras que, em abril de 2020, pediu ao STF a abertura de inquérito para investigar as suspeitas de que Bolsonaro interferiu na cúpula da PF para blindar parentes e aliados de investigações, suspeita levantada por Moro quando ele deixou o governo. A demissão foi revelada pela Folha.Para interlocutores de Moro, a decisão de Moraes sobre a dispensa de intimação se limita aos interrogatórios de testemunhas, não se aplicando a Bolsonaro, que aparece na condição de investigado, permanecendo inalterado o que definira Celso de Mello ainda em 2020.Até a conclusão desta reportagem, a defesa de Moro não havia formalizado nenhum recurso ao relator.No depoimento desta quarta, Bolsonaro negou interferência na PF e afirmou que trocou seu comando por uma questão de diálogo. “Nunca teve como intenção, com a alteração da direção geral, obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção diretamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal”, afirmou o presidente, segundo transcrição da PF.O presidente disse que em meados de 2019 solicitou a Moro a troca do então diretor-geral da Polícia Federal “em razão da falta de interlocução” que havia entre ele e o delegado Maurício Valeixo. “Não havia qualquer insatisfação ou falta de confiança com o trabalho realizado pelo Valeixo, apenas uma falta de interlocução.”[DA PF]