Sem dar transparência aos atuais gastos com despesas emergenciais de custeio e viagens, a Prefeitura de Goiânia vai extinguir cartões corporativos e adotar dispensas de licitação para as compras. A Secretaria Municipal de Governo alega que a dispensa, prevista em legislação federal e com limite padrão para toda a administração pública, garantirá maior acesso da população aos dados.A CBN Goiânia revelou ontem a informação do fim dos cartões, prevista para esta semana. Na segunda-feira (2), o prefeito se reuniu com os secretários de Governo, Administração e Finanças, além dos titulares da Controladoria e da Procuradoria do município para discutir o assunto. A Prefeitura informou que haverá uma entrevista coletiva na sexta-feira (6) para a apresentação dos detalhes das mudanças. Apesar da decisão tomada na segunda-feira, ainda houve publicação nesta terça-feira (3) no Diário Oficial do Município (DOM) de atos administrativos autorizando entrega e uso de cartões corporativos.A reportagem solicitou à Secretaria Municipal de Finanças informações sobre quantos servidores possuem o cartão e qual foi o custo este ano, mas não houve resposta. Além de secretários e diretores, auxiliares em assessoramento também têm direito ao cartão, conforme definição dos titulares da pasta.Após as mudanças, apenas o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) ficará com o cartão, pela necessidade maior de gastos emergenciais, segundo a Prefeitura. Criado em 2003, a partir de modelo do governo federal, o cartão corporativo permite “despesas de custeio urgentes, de pronto pagamento, pequena monta e de viagens”. São pagamentos a material de consumo, prestação de serviços, passagens aéreas e locomoção. De acordo com informações de documentos disponíveis no DOM, os valores variam de R$ 20,5 mil a R$ 40 mil.O POPULAR mostrou em abril que as despesas com cartão corporativo de 2020 e 2021 não estavam disponíveis no Portal da Transparência da Prefeitura, assim como outros gastos e informações relevantes da gestão. Na ocasião, a administração municipal informou que estava mudando o sistema e que os dados estariam atualizados no mês seguinte. Em julho, porém, houve carregamento dos gastos apenas até o dia 15 de abril, com quatro meses sem as informações.A reportagem também pediu os dados atualizados com base da Lei de Acesso à Informação (LAI), mas não obteve resposta.FaturasA Prefeitura alega que há necessidade de fechamento das faturas e da prestação de contas dos servidores para que haja atualização no Portal. No entanto, as portarias que regulamentam os pagamentos nas secretarias estabelecem prazo de 15 dias, no mês seguinte ao uso, para a prestação de contas.Pelos dados disponibilizados de março e abril deste ano, dez servidores utilizaram os cartões, com despesas totais de cerca de R$ 85 mil.Em entrevista coletiva na terça-feira para falar sobre balanço de vacinação por Covid-19 em Goiânia, o prefeito foi questionado sobre o fim dos cartões corporativos e disse que há transparência nos gastos, o que não ocorre de fato. “Existe um estudo para retirar o cartão corporativo, apesar de ele ser usado com transparência e responsabilidade. Se as pessoas quiserem participar e ver o uso do cartão, está no site da Prefeitura, na aba de transparência.”Questionado se o processo de dispensa de licitação não pode dificultar ainda mais o acesso detalhado aos gastos, o secretário municipal de Governo, Arthur Bernardes de Miranda, disse que haverá o contrário. “Pela dispensa tudo estará à disposição do cidadão e da imprensa em horas. Não haverá a demora de fechar fatura, prestar contas etc. Na prática, a dispensa de licitação exige uma espécie de prestação de contas prévia, com a devida justificativa antes da despesa com a devida instrução processual”, afirma.“A legislação prevê todos os procedimentos. Cada secretário ordena sua despesa. Isso já é realizado em todos os poderes e diferentes níveis de governo”, completa o auxiliar.Quanto às despesas com viagens, o secretário afirma que a orientação do prefeito é que as passagens aéreas sejam adquiridas, quando necessário, “por meio de contrato e com a devida instrução processual e não por cartão corporativo”.O secretário também negou que haja alguma desconfiança sobre os atuais gastos ou recomendações para alterar o modelo. Sobre as publicações recentes de autorização de uso dos cartões, ele afirmou que são processos antigos e que a intenção é finalizar a utilização até o final desta semana.A reportagem também buscou a posição da Controladoria Geral do Município (CGM) sobre a mudança. “A CGM aplaude a possível decisão do prefeito de extinguir os cartões coorporativos dando a devida e correta instrução processual para gestores, respeitando sempre os limites legais estabelecidos (lei 8.666 e 14.133/2021)”, respondeu a controladora, Aline Espírito Santo Ribeiro.A CGM negou que haja qualquer denúncia ou apuração sobre possível irregularidade no uso do cartão corporativo na administração municipal. Portal da Transparência segue defasado Apesar de disponibilizar recentemente alguns dados públicos, a Prefeitura de Goiânia segue com material defasado no Portal da Transparência e descumprindo leis de transparência e acesso à informação. Em abril, O POPULAR apontou cinco itens de inadequação na oferta de dados no site, em contraponto ao discurso do prefeito Rogério Cruz (Republicanos) de que a transparência será marca de sua gestão.De lá para cá, a Prefeitura divulgou os beneficiários do programa Renda Família, passou a publicar o Diário Oficial do Município pela manhã e incluiu uma parte dos gastos com cartão corporativo que estava em atraso (apenas até o dia 15 de abril). Por outro lado, há informações desatualizadas, incompletas e que seguem sem divulgação, como gastos com publicidade, viagens realizadas pelo prefeito e demora na publicação de contratos.Na aba de pagamentos de diárias e viagens, há apenas os deslocamentos do prefeito para Brasília, quando ele esteve em pelo menos outras cinco cidades. A Prefeitura inclusive se recusou a informar detalhes de viagem feita por Rogério Cruz a São Paulo, no dia 12 de julho, com a contratação de um jatinho de empresa de táxi aéreo.A Controladoria Geral do Município (CGM), responsável pelo Portal da Transparência, disse que são informadas no site toda as despesas que tenham repasse de diárias. “Do contrário, não havendo ônus ao erário não há necessidade de disponibilização”, afirma.No caso dos contratos, O POPULAR mostrou na semana passada a tentativa sem sucesso de acessar o documento assinado com o Instituto Brasileiro de Tecnologia, Empreendedorismo e Gestão (BR Tec) para precificação da folha do município. O extrato do contrato foi publicado no DOM no dia 26 de julho, mas ele ainda não está no Portal. A CGM respondeu apenas que “os processos têm fluxos sistémicos”.Quanto aos pagamentos a agências de publicidade, a Prefeitura informou que há dados na rubrica de despesas gerais. No entanto, mantém a rubrica específica sem os dados no Portal.Já quanto à demora de atualizar dados do cartão corporativo, a CGM afirmou o mesmo que a Secretaria de Governo, de que há um processo burocrático de prestação de contas. Em abril, a informação oficial era de que haveria troca no sistema eletrônico de extração de dados para possibilitar a divulgação mais ágil.