A qualificação de milhares de trabalhadores para elevar a ocupação de postos de trabalho disponíveis e a geração de renda em Goiás será um dos grandes desafios do próximo governo. Empresas de praticamente todos os setores da economia têm vagas abertas atualmente, mas falta pessoal qualificado para ocupá-las, o que pode comprometer a produtividade dos negócios. Já existem várias parcerias entre empresas, entidades de formação de mão de obra e o poder público, na tentativa de reduzir o problema, mas ainda é preciso investir muito mais para incentivar o trabalhador a se qualificar.A segunda de uma séria de reportagens que O POPULAR está fazendo sobre os principais temas das eleições gerais deste ano mostra que o maior desafio para a geração de empregos e renda em Goiás é a escassez de trabalhadores qualificados. Este é um problema antigo, que tem gerado uma demanda reprimida de pessoal nas empresas e ameaçado a produtividade.Em 2021, foram abertas 33 mil novas empresas em Goiás, um crescimento de 27% em relação a 2020, segundo a Junta Comercial do Estado (Juceg). Somente o Sine têm, atualmente, quase 5 mil vagas abertas em todo estado (300 só para auxiliares de produção em empresas de Goiânia e entorno), mas menos de 20% são preenchidas mensalmente. Só o setor industrial goiano precisará qualificar 309 mil pessoas, segundo o estudo Mapa do Emprego Industrial 2022-2025, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).“A indústria tem demanda por profissionais em todos os segmentos e níveis de formação neste momento de retomada da economia”, alerta o diretor de educação e tecnologia do Sesi e Senai, Claudemir Bonatto. Nos próximos três anos, a estimativa é abrir 500 mil novos postos de trabalho com formação técnica, graduação ou qualificação. Funções ligadas à tecnologia da informação, como programadores de rede e especialistas em segurança cibernética, estão entre as maiores demandas.Claudemir lembra que o Senai tem um extenso portfólio de cursos de qualificação em todo Estado. Nos próximos quatro anos, serão oferecidas 100 mil vagas para as áreas de tecnologia da informação e comunicação para diversos níveis de formação, incluindo um curso de engenharia de softwares. Mas, segundo ele, além do domínio técnico, a indústria também busca profissionais com competências sócios emocionais, com capacidade para resolução de problemas e trabalho em equipe, análise crítica e criatividade.São profissionais que enfrentarão os novos desafios da chamada indústria 4.0, da alta conectividade, internet das coisas, robotização e conexão entre linhas de produção, que está inovando seus processos produtivos e exige constante adaptação. “É a tecnologia que hoje faz a indústria mais produtiva e competitiva. Por isso, estamos ouvindo as demanda das empresas, passando por um processo de modernização tecnológica e investindo em nossas estruturas de ensino, como laboratórios”, destaca o diretor do Sesi e Senai.Construção civil A falta de trabalhadores qualificados tem sido um desafio cotidiano para o setor da construção civil. As empresas do ramo têm contratado cerca de 1,5 mil trabalhadores por mês em todo estado, sendo 850 só na região metropolitana de Goiânia. Mas o presidente do Sindicato da Indústria da Construção no Estado (Sinduscon-GO), Cezar Mortari, prevê que pelo menos a metade deste pessoal já deveria chegar aos canteiros de obra qualificada. “Mas não aparecem candidatos com este perfil. São mais pessoas em busca do primeiro emprego”, conta.Para qualificar este pessoal, as empresas do setor têm feito parcerias com o Senai para treinamento dentro dos próprios canteiros de obra. “Percebendo o grande aumento das vendas nos anos anteriores, buscamos toda ajuda possível junto ao Sistema Sesi e Senai, através de parcerias, e ao governo estadual, através da Secretaria da Retomada, que tem feito mutirões de emprego para captação de pessoal”, conta Cezar.Isso porque, segundo ele, muitas vezes são abertas muitas vagas e não aparecem candidatos para preenchê-las. Quanto mais especialista for a função, maior a dificuldade para preencher a vaga. Mas, para o presidente do Sinduscon-GO, os programas disponíveis para qualificação ainda são tímidos e precisam de mais recursos.Para especialista, falta política de empregoNo primeiro semestre deste ano, Goiás registrou um saldo positivo de 76.416 novos postos de trabalho formal. Mas o economista Sandro Monsueto, professor da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas da UFG, questiona a qualidade destes empregos. Segundo ele, além de terem salários mais baixos, muitos são contratos de trabalho temporário, que tiveram o prazo elevado e se expandiram após a Reforma Trabalhista. “Ela facilitou a flexibilização. O problema é quando isso vira regra”, adverte.Para Monsueto, apesar de ter facilitado a geração de empregos, as novas regras deveriam ser acompanhadas de uma mudança de mentalidade, pois o trabalho temporário precisa ser atrelado a uma política de efetivação. Além da geração de vagas, é preciso uma política de incentivo às contratações duradouras. Muitas empresas também passaram a investir menos no capital humano e querem encontrar a mão de obra já formada, mesmo pagando salários bem abaixo dos níveis de qualificação e experiência exigidas.Por outro lado, também há trabalhadores estagnados e que não se qualificam. “Temos muitos cursos de qualificação, inclusive gratuitos e com bolsa, mas que registram baixa demanda e alta taxa de evasão”, alerta. Mas as empresas também precisam estar abertas à qualificação de trabalhadores, sem o receio de perdê-los para outras, o que faz parte da dinâmica de mercado.Sandro Monsueto acredita que o poder público precisa investir numa verdadeira política de emprego unificada à nível nacional, mas que considere as diferenças regionais. “Não é criar vagas só para reduzir os índices de desemprego, mas sim empregos de qualidade, com possibilidade de crescimento profissional”, alerta. Um caminho é dar incentivo para empresas que se comprometam com a geração de postos de trabalho mais duradouros e de qualidade.O presidente do Sinduscon-GO, Cezar Mortari, ressalta a importância da aplicação de mais recursos para qualificação de trabalhadores. Entre as demanda, está uma melhor remuneração para motivar e atrair mais professores para os cursos. “O governo tem boa vontade e quer fazer mais. Porém, às vezes pode errar a mão no direcionamento”, alerta. Para ele, muitas vezes, o volume de recursos é pequeno para custear toda a estrutura de ensino necessária.Claudemir Bonatto, do Sesi e Senai, lembra que o jovem hoje é mais conectado ao meio digital e mais interessado em cursos e programas de qualificação com este perfil, que têm tido mais procura que programas tradicionais, com o mecânica e eletricidade. Para ele, o governo tem papel relevante de estímulo para que estes jovens busquem qualificação e para quem já está no mercado se requalifique, adaptando suas competências aos novos processos. “O poder público pode ser o agente indutor, criando programas que facilitem e financiem o acesso à qualificação”.Escassez de pessoal da limpeza até a gerênciaEm junho, o setor de serviços registrou o maior saldo positivo de abertura de novas vagas de trabalho formal em Goiás, com 4.472 contratações a mais que demissões, segundo o Caged. Mas este número poderia ser bem maior, segundo o presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços do Estado (Acieg), Rubens Fileti. Ele dá o exemplo das empresas de limpeza e conservação, que hoje têm dificuldade para preencher as cotas para PCDs (pessoas com deficiência) por falta de candidatos, e muitas estão sendo multadas por causa disso.“As empresas de serviços têm postos de trabalho abertos para todos os perfis de mão de obra e não consegue preenchê-los”, conta. No caso de cargos que exigem qualificação, a dificuldade é ainda maior. “Mas já está difícil conseguir até pessoal para qualificar”, diz Fileti. Ele acredita que muitos trabalhadores não querem cumprir jornadas das 8 às 18 horas porque recebem auxílios e preferem complementar a renda com bicos.Com isso, bons profissionais já formados acabam assediados por outras empresas. O presidente da Acieg diz que o estado tem dado um importante apoio para qualificação técnica através dos Colégios Tecnológicos, além de promover uma integração entre o pessoal qualificado e as vagas de emprego no mercado. Mas ele acredita que ainda falta um programa de incentivo ao emprego para que as empresas possam dar continuidade a esta qualificação no próprio ambiente de trabalho. “Isso virá através de um incentivo financeiro, que poderia ser fiscal, para que a empresa possa contratar e finalizar a formação destes trabalhadores nos primeiros 12 meses”, sugere Fileti. Estudos mostram que apenas as empresas do setor de TI em Goiás terão uma demanda estimada de mais 40 mil pessoas até 2024.ComércioA alta demanda faz com que 84,5% dos egressos do ensino técnico do Senac consigam emprego nos primeiros três meses. O diretor Regional Sesc-Senac Goiás, Leopoldo Veiga Jardim, informa que um dos desafios para elevar a qualificação foi reduzir a evasão dos cursos, que era causada pela dificuldade financeira das famílias para bancar o transporte e a alimentação dos alunos. “Hoje, já fornecemos vale transporte nos programas de gratuidade, e até lanche”, informa.Foram abertas 1.100 vagas no programa de Educação 4.0 para cursos na área de TI, que tem uma das maiores demandas de pessoal por parte das empresas de quase todos os segmentos, para funções como marketing digital. Quase 90% foram preenchidas. Mas outra barreira tem sido a fraca formação básica de muitos jovens em situação mais vulnerável, que para avançarem no ensino de tecnologia, precisam passar pelo chamado “letramento digital” para que possam se nivelar com os demais alunos.A instituição oferece desde cursos básicos, como de balconista, até os mais avançados na área de TI, como programador, de onde praticamente todos os alunos saem empregados. Para Leopoldo, um maior apoio do Estado pode vir através de um olhar social mais apurado, onde a assistência social vem acompanhado de medidas para elevar a formação e a geração de oportunidades. “Um bom exemplo disso são as bolsas da OVG para cursos superiores, que são atreladas à realização de cursos técnicos”, lembra.Leia também: Escassez de pessoal da limpeza até a gerênciaPara especialista, falta política de emprego