Em decisão liminar, a juíza Mariuccia Benicio Soares Miguel, da 7ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Goiânia, acatou o pedido da Sancar Gestão Empresarial e Logística de Veículos Ltda. e manteve a empresa no processo licitatório do Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO) para contratação de serviços de guincho e guarda de veículos apreendidos. O edital trazia custo estimado de R$ 54,3 milhões e o Detran-GO homologou o resultado em R$ 34 milhões, depois de desclassificar a Sancar em três de oito lotes (1, 2 e 4).Em mandado de segurança, a empresa conseguiu suspender a desclassificação dos lotes, que tiveram resultados homologados no valor de R$ 21,6 milhões. O custo estimado era de R$ 47,6 milhões. Os vencedores foram MC Leilão Park e Serviços Ltda. (lotes 1 e 2, de R$ 16,6 milhões) e Promarket Promoção de Eventos e Logística Ltda. (lote 4, de R$ 5,03 milhões), responsáveis pelos serviços atualmente, por contrato assinado em 2022 e que teve aditivo de valor em junho do ano passado.Na licitação, iniciada em 13 de agosto, a Sancar apresentou desconto de 50% nos valores do edital e o Detran-GO apontou indício de inexequibilidade das propostas, solicitando planilha que comprovasse a capacidade de execução, além de atestados, documentos e declarações.Após as diligências, o Detran-GO alegou que a Gerência de Contabilidade, em consonância com a Comissão Especial de Leilão de Veículos Automotores, havia se manifestado pela desclassificação da Sancar, “em razão de o desconto apresentado revelar-se inexequível”. A empresa alegou que o edital estabelece que descontos acima de 50% é que são indícios de inexequibilidade.A juíza acatou os argumentos da Sancar e afirmou que “ao tratar proposta ‘igual a 50%’ como se fosse ‘superior a 50%’, a administração introduziu critério novo, em manifesta violação ao princípio da vinculação ao edital e do julgamento objetivo”.A magistrada também concordou que o Detran-GO “passou a exigir documentos e planilhas não previstos no edital ou termo de referência, fixando prazos exíguos (cinco horas, depois prorrogados em apenas quatro horas) para apresentação de volumoso acervo documental”. “Esta conduta afronta os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, além de incidir em inovação pós-edital”, diz.Com o retorno da Sancar ao processo, fica suspensa a homologação e a adjudicação dos lotes até o julgamento do mérito da ação.“O Judiciário assegurou que a legalidade e a isonomia prevaleçam, evitando que inovações posteriores comprometam a competitividade e a lisura da licitação. Essa decisão representa uma vitória não apenas para a Sancar, mas para todos os que defendem a transparência nos contratos públicos”, disse o advogado Matheus Costa, que atuou na defesa da Sancar juntamente com o advogado e ex-gerente do Detran-GO Alexandre Lourenço.Lourenço diz que há indícios de favorecimento e “jogo de cartas marcadas” no processo licitatório para manter as empresas que já exploram o serviço. No total da licitação, a MC ficou com quatro lotes e a Promarket com outros quatro.A direção do Detran-GO afirmou apenas que ainda não foi notificada oficialmente sobre a decisão e que vai se manifestar “nos autos do processo, nos termos legais”. O órgão não respondeu aos questionamentos sobre os motivos para a desclassificação da empresa.O presidente, Waldir Soares, está de férias segundo a assessoria e não respondeu às ligações da reportagem. A homologação foi assinada pelo presidente interino do Detran-GO, Odair José Soares, que também não quis se manifestar.InvestigaçãoUm ex-gerente da Sancar foi preso em operação policial (El Lobo) no Tocantins em outubro do ano passado por suspeita de vender ilegalmente veículos que ficavam sob a guarda da empresa, em pátio em Araguaína. A Polícia Civil do Tocantins afirmou na época que o gerente da empresa teria feito boletins de ocorrências relatando furtos para despistar a situação criminosa. Um dono de oficina e um suspeito de intermediar a venda dos veículos extraviados também foram presos.Matheus Costa afirma que não atuou no caso, mas diz que a Sancar não é investigada na operação e que foi a responsável pela apresentação da denúncia que motivou o inquérito. Segundo a defesa da empresa, apenas o ex-gerente responde a processo criminal pelo caso. “A Sancar foi vítima da atuação do ex-funcionário”, alega.A MC Leilão mencionou a operação policial no processo administrativo durante a licitação. Nos bastidores, há informações de que a direção do Detran-GO também cita o episódio para justificar ter barrado a empresa. A operação, no entanto, não entrou oficialmente nas alegações ou diligências solicitadas pelo órgão.