“Goiano de nascimento e gaúcho de coração”, resume o prefeito eleito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), que nasceu em Piracanjuba, interior de Goiás, a 87 km de Goiânia. Aos 62 anos, já vive na capital do Rio Grande do Sul há 42, mais que o dobro do tempo que morou na cidade goiana, a maior bacia leiteira do Estado. Foi, aliás, em uma fábrica de leite que ouviu, pela primeira vez, falar em Porto Alegre.“Na fábrica do leite Leco, que depois viraria o leite Piracanjuba, trabalhava um casal de gaúchos, que, como todo bom gaúcho, falava bem do Rio Grande e bem de Porto Alegre. Como eu queria vencer na vida, resolvi então que eu iria para lá”, conta. Em 1976, então, deixou o município goiano, rumo ao Sul do País. Do Estado de origem, a lembrança mais forte que tem é da culinária. “Terra do arroz com pequi”, é o que diz sempre quando fala daqui, quase como um subtítulo de um filme ou livro sobre Goiás. Em Piracanjuba, ainda moram a mãe, hoje com 86 anos, e 2 irmãos – um terceiro mora em Bela Vista. O pai, conta, morreu aos 64 anos, vítima de um infarto. A família era formada pelo casal e 7 filhos, mas 3 deles já morreram. “Eu tive uma família com muitas dores, um dos meus irmãos morreu com 19 anos, outro com 22 e outro com 52. O primeiro foi assistir a um jogo no estádio Serra Dourada e, na volta, sofreu um acidente e faleceu. O outro foi jogar uma partida de futebol em Bela Vista, o carro capotou e acabou morrendo. O último veio morar aqui no Sul comigo, mas também foi vítima de um acidente”, relata.Ele é o único da família, portanto, em Porto Alegre. Depois que saiu de Piracanjuba, morou por cerca de um ano em João Pinheiro, uma cidade localizada no Norte de Minas Gerais. “Mas meu olhar era para vir para cá.” Em 1978, então, foi para Brasília, de onde pegou um ônibus e, nas suas palavras, “se mandou” para o Rio Grande do Sul. Chegou no início daquele ano e descreve: “Uma aventura, não conhecia absolutamente ninguém, só conhecia Porto Alegre pelo mapa. Cheguei aqui depois de uma longa viagem e uma senhora gaúcha, que veio no ônibus, resolveu me dar alguns conselhos e até pagar uns lanches”. ChegadaSebastião conta que a mulher deu a ideia para que procurasse uma casa de estudante quando chegasse a Porto Alegre, “ou não vai ter como sobreviver”. Foi isso que ele fez assim que desembarcou. “Mas a que encontrei era só para quem já estava na universidade e eu ainda estava no segundo grau. Então me enviaram para uma outra casa, secundarista, onde comecei a minha vida.”Junto à moradia, o goiano conseguiu uma vaga para trabalhar em uma lanchonete e foi vivendo assim até entrar na faculdade de Direito. Durante a graduação, trabalhou como vendedor em uma loja de material de construção e começou a atuar como advogado, abrindo seu primeiro escritório um ano depois de pegar o diploma. “Comecei como clínico geral, como a maioria dos advogados, depois me enveredei para o tribunal do júri, onde atuei fortemente por uns 10 anos, sem perder de vista outras áreas. Só não fiz trabalhista, tá?”, relata com seu sotaque mais gaúcho que goiano. PolíticaFoi em Porto Alegre que começou a vida política. Filiou-se ao MDB na década de 1980 por um anseio de participar da derrubada da então vigente Ditadura Militar. “Eu me inseri na vida da cidade como um ativista social. Gosto de dizer que juventude sem rebeldia é juventude sem caráter. Além da sobrevivência pessoal, eu militava na política. O Brasil naquela época vivia uma ebulição enorme pela democracia, em um tempo em que os partidos eram o MDB e a Arena, e eu escolhi o lado contrário à ditadura”. Desde então nunca mudou de partido. “Para mim, mudar de sigla é mudar de problema. Então nasci no MDB e vou morrer nele. Agora isso não significa que não tenho embates internos. O partido nacionalmente se perdeu ao longo do tempo quando deixou de ter um projeto nacional, virou meramente parlamentar e pendular, estando em todos os governos, de FHC a Lula. Mas agora vive um momento de reflexão e retomada de seu curso natural.”Sebastião até sabe um pouco da política goiana, acompanha a trajetória de seu correligionário Iris Rezende (MDB) e agora tenta estar inteirado do estado de saúde do prefeito eleito de Goiânia, Maguito Vilela (MDB), internado em tratamento de sequelas da Covid-19. “Mas minha vida política é aqui, tenho meus dois filhos aqui, tornei-me advogado aqui, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), deputado estadual e agora prefeito”. A conexão com o Estado de origem agora se resume à interação familiar. As visitas à mãe ocorrem pelo menos uma vez ao ano. MandatosAntes de chegar à vitória na eleição de 2020 para prefeito, ele disputou quatro pleitos para vereador de Porto Alegre, em que saiu derrotado. Apenas em 2000 foi eleito, pela primeira vez, integrante da Câmara Municipal. “Foi aí que pude mostrar à cidade que eu era um vereador eficiente, que cuidava de todos, mas especialmente dos que mais precisam. Na minha reeleição, eu pulei de cerca de 6 mil votos para 9 mil. Na última para vereador, em 2008, eu fiz 12 mil votos”, conta.Ele sempre diz que a cidade fez muito por ele, mas confessa que o casamento político não foi tão rápido. “O gaúcho é bem desconfiado, tivemos que insistir muito. Depois de tantas eleições sem sucesso, eu tinha tudo para desistir, mas eu sempre fui muito incansável.”Em 2008, pouco depois da posse, discursou dizendo que não disputaria mais para vereador. Para ele, o político não pode se acomodar em um cargo e foi isso que o levou a começar a investir em uma disputa para prefeito de Porto Alegre. O gestor da época, porém, era José Fogaça, seu correligionário, que acabou renunciando para concorrer a governador em 2010. Isso acabou gerando uma situação desfavorável para que o MDB lançasse candidatura em 2012. Assim, Sebastião foi eleito vice-prefeito, na chapa encabeçada por José Fortunati (PDT), que já estava como prefeito desde a renúncia de Fogaça. Em 2016, finalmente, conseguiu entrar na disputa pelo cargo majoritário, mas perdeu. “Cheguei a ir para o segundo turno, mas o País vivia um momento de mudança e eu era o candidato da situação. Então as pessoas me viam como a continuidade e, portanto, elegeram o adversário. Depois disso voltei a advogar e, em 2018, fui eleito deputado estadual do Rio Grande do Sul”. A vitória para prefeito só veio agora, em 2020, após uma disputa acirrada e turbulenta com Manuela D’Ávila (PCdoB). Focado na transição, ele renunciou recentemente ao mandato de deputado estadual e agora está nos preparativos para a posse em janeiro de 2021.Sobre a disputa, Sebastião destaca que não se vê como direita nem esquerda, mas com um perfil mais centrista. Destaca que no segundo turno de 2020 teve apoio tanto de partidos de esquerda, como o PSB, quanto de deputados bolsonaristas. “Não do Bolsonaro”, faz questão de enfatizar. Para ele, talvez tenha chegado, com essa vitória, ao auge de sua carreira política. “Em 31 de dezembro de 2024, quero descer das escadarias do Paço Municipal e dizer ‘valeu, deixei minha contribuição para a cidade que me adotou em 1978 e consegui devolver em dobro o que ela me deu’. Ser prefeito de Porto Alegre eu diria que é uma façanha, porque tinha tudo para dar errado, mas hoje posso trabalhar para retornar ao município o que ele me proporcionou”, conclui.