O atraso para o registro oficial de mortos pelo novo coronavírus tem aumentado e impede uma visão verossímil da pandemia em Goiás. A quantidade de óbitos que só são divulgados após vários dias depois da morte tem aumentado. A mortes veiculadas pelo Estado entre 4 de junho e 4 de julho eram entre 16% e 32% menores que o número acumulado real. A reportagem usou o mesmo método de comparação utilizado por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) em nota técnica divulgada no início deste mês, que alertava para esta defasagem.O pico desta discrepância ocorreu no dia 29 de junho, uma segunda-feira, quando a Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO) divulgou o número de 437 mortes por Covid-19 no Estado. No entanto, 193 óbitos que ocorreram até aquele dia ainda não haviam sido adicionados no sistema ou confirmados por exame, considerando os dados que se têm até sexta-feira (14). Assim, o número real de óbitos naquele dia era de 630. Até a publicação desta edição, os números oficiais são de 910 óbitos.A diferença entre os números pode ser explicada por vários fatores, mas que basicamente são dois: demora para a morte ser inserida no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep Gripe), do Ministério da Saúde, utilizado pela SES-GO para divulgar os dados, e demora para a morte ser confirmada por teste RT-PCR.Professor doutor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFG, Thiago Rangel, que participou da elaboração desta pesquisa, pondera que este atraso é diferente de subnotificação. Subnotificados são os casos que não são identificados.“Subnotificação é quando não entrou em lugar nenhum, ficou como síndrome respiratória aguda grave, mas não fez teste de Covid-19. Neste caso, é atraso, defasagem, porque o óbito vai ser notificado em algum momento”, explica o pesquisador.Assim como a subnotificação, este atraso traz prejuízos para uma leitura da pandemia em Goiás. Além da população ter uma dimensão atrasada da quantidade de mortos, há diferença em alguns tipos de leitura, como da taxa de letalidade do vírus no Estado. Considerando as mortes pela data de divulgação, a taxa de letalidade de Goiás é de 2%, ou seja, 2 de cada 100 casos confirmados de Covid-19 morreram. No entanto, considerando estes óbitos inseridos no sistema tardiamente, a taxa de letalidade de Goiás seria de 4%, segundo estudo dos pesquisadores.Interior“O avanço da Covid-19 para o interior do Estado durante o mês de maio aumentou substancialmente o atraso da confirmação dos óbitos, uma vez que as secretarias municipais do interior do Estado possuem menos recursos hospitalares e humanos para as investigações de causa, como será discutido em detalhes a seguir”, diz trecho da nota técnica dos pesquisadores da UFG, que aponta um dos fatores para este maior atraso na notificação de óbitos.Thiago Rangel relata que costuma ouvir reclamações dos municípios sobre dificuldade de entrar no sistema. Além disso, a maior parte das cidades tem uma planilha própria de registro dos dados de coronavírus e elas acabam deixando o sistema em segundo plano.Estes mesmo problemas do sistema de registro do Ministério da Saúde foram citados em reunião do Centro de Operações de Emergência (COE) de 29 de abril. Na época, um gestor da SES-GO relatava que havia muitos problemas de internet nos municípios, falta de equipe capacitada para alimentar o sistema e instabilidade do sistema.Na época, Goiás tinha 27 mortes confirmadas e a SES-GO ainda tinha uma planilha paralela com os registros de novos casos e óbitos. Como os números começaram a aumentar e ficou difícil alimentar esta planilha sozinha, eles mudaram a coleta dos dados. A partir de 8 de maio, as estatísticas de Covid-19 passaram a depender da alimentação do sistema do MS pelos municípios. Diferença entre boletinsA cidade de Minaçu, no extremo Norte de Goiás, tem 23 casos confirmados do novo coronavírus e três óbitos, segundo o boletim municipal divulgado pela Prefeitura. No entanto, segundo o painel da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO), o município tem 17 casos confirmados e nenhum óbito. O primeiro óbito de paciente com Covid-19 em Minaçu ocorreu no dia 29 de junho e foi divulgado pelo jornal O POPULAR. Belcina Valadares, de 81 anos, não conseguiu vaga de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no Hospital de Campanha (HCamp) mais próximo, que estava lotado, e foi transferida para o HCamp de Águas Lindas, onde morreu. Seu esposo, Ulisses Valadares, que também contraiu a doença, morreu dias depois. A Vigilância Epidemiológica do município garante que inseriu os três casos no sistema. Assim como o caso de Minaçu, outros municípios apresentam divergências com os dados divulgados pela SES-GO. Na última terça-feira (14), Rio Verde tinha 103 mortos por Covid-19 no boletim municipal, mas no do Estado eram 93. Em Águas Lindas a situação era inversa, o Estado divulgou mais mortos (45) que a prefeitura (34). A presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde de Goiás (Cosems-GO), Verônica Savatin, fala de duas hipóteses para a demora do caso entrar no sistema: o fato do laudo do exame de Covid-19 não sair até o dia da morte e os óbitos que ocorrem de moradores da cidade em hospitais da rede privada, sem conhecimento da secretaria municipal de saúde. Em nota, a SES-GO disse que monitora rigidamente essa situação e que tem feito um trabalho de orientação, capacitação e monitoramento para que o município cumpra o papel de digitar os dados. A SES-GO garantiu que faz uma avaliação diária das informações dos bancos de dados de óbitos para identificar inconsistências. Também explicou que faz solicitação aos hospitais para digitação rápida do óbito no sistema para que o município de residência do paciente tenha conhecimento o mais rápido possível.Além disso, a SES-GO disse os municípios ainda estão se adaptando a nova regras do Ministério da Saúde. Antes da pandemia, a digitação no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) podia ser feita em até 60 dias e agora é em até 48 horas.Lacen conserta equipamentoO Laboratório Central de Saúde Pública Dr. Giovanni Cysneiros (Lacen-GO) consertou o equipamento de extração que estava quebrado e voltou a fazer 250 testes de Covid-19 por dia. O anúncio foi feito nesta terça-feira (14). O laboratório público estadual estava fazendo apenas 70 exames diários depois que o aparelho ficou danificado. A demora para o resultado de testes de coronavírus é um dos motivos para o atraso nas estatísticas de óbitos da Covid-19. A Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO) diz que exames de óbitos e casos graves são priorizados no Lacen-GO. Em nota, a SES-GO informou que está planejando uma ampliação da testagem no Estado com a distribuição e execução de exames em 78 cidades estratégicas de Goiás. O projeto é uma parceria com o Instituto Butantan, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Programa Todos Pela Saúde, iniciativa do Itaú Unibanco. Além dos atrasos na notificação de óbitos de Covid-19, há os casos de subnotificação, em que não se confirma se a morte foi causada por coronavírus. Uma das dificuldades de investigar estes casos, segundo nota técnica de pesquisadores da Universidade Federal de Goiás, é a legislação vigente, que não permite exames pós-mortem dos pacientes com suspeita, feitos por meio de necropsias, autópsias e punções.