João Leite já responde por dois terços do abastecimento de Goiânia
Presidente da Saneago diz que reservatório e novas adutoras tiraram dependência das águas do Meia Ponte e deixaram situação tranquila, mas que é preciso que todos mantenham consumo consciente
Elder Dias

Presidente da Saneago, Ricardo Soavinski: "Mesmo com a estiagem mais cedo, nossa avaliação é de que na capital temos um nível de segurança (hídrica) grande" (Wesley Costa / O Popular)
Oceanógrafo de formação e servidor de carreira como analista ambiental no Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Soavinski está cedido ao governo de Goiás para comandar a Saneago, à semelhança do que fez na Sanepar, a companhia estatal de saneamento do Paraná, onde também foi secretário de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos.
Ele preside a empresa goiana desde o início do primeiro mandato de Ronaldo Caiado (União Brasil) e recebeu a equipe do POPULAR em seu gabinete para explicar como a prenunciada crise hídrica e a provável estiagem mais extensa e intensa este ano devem impactar no abastecimento. Para Soavinski, Goiânia está em uma situação particularmente segura em relação à garantia de água nas torneiras para a população.
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O segredo? A integração dos sistemas Meia Ponte e Mauro Borges/João Leite que houve a partir de 2019, com a construção de adutoras que multiplicaram a vazão, deixando uma distância tranquila entre a capacidade de abastecimento e a atual demanda. "Com as novas interligações, hoje o Meia Ponte responde pelo abastecimento de apenas 36% da cidade; 64% do consumo de água vem do João Leite", explicou o gestor da Saneago, que também já foi presidente do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e diretor nacional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama).
O Cerrado está cada vez mais devastado, e agora com desmatamento superior ao da Amazônia. Equilibrar expansão da fronteira agrícola e preservação de um bioma considerado a "caixa d'água" do Brasil é um desafio para manter os recursos hídricos?
É um desafio de fato, não só no Centro-Oeste ou no Brasil, mas no mundo. É possível viver sem energia elétrica, pelo menos durante algum tempo, mas sem água ninguém vive. E a questão hídrica é um problema para o abastecimento tanto pela escassez como pelo excesso, como vimos agora no Rio Grande do Sul, onde os sistemas produtores foram inundados. Recuperar o maquinário, os filtros, as próprias tubulações etc., isso é um trabalho enorme, mesmo quando as águas baixarem. A relação entre clima, diferentes usos da água e os mananciais está sofrendo alterações e é preciso planejamento, gestão e entendimento da população como um todo, enquanto deve haver também forte atuação dos órgãos públicos e das empresas concessionárias dos serviços. Tem de ter um olhar muito especial para os rios que servem como mananciais, tanto em relação à quantidade quanto à qualidade de água.
E como isso deve ser feito?
É fundamental observar a legislação. Além dos códigos ambientais, temos a Lei dos Recursos Hídricos, que é muito moderna e abrange desde o planejamento, nos comitês de bacias, até as ações propostas, chegando ao estabelecimento de cobrança pelo uso -- o que, em alguns casos, vejo mesmo como interessante que exista. Fazer a gestão desse conjunto dos diversos usos, da terra que está em volta e da própria água (para abastecimento humano, dessedentação de animais, uso no campo, indústrias etc.), demanda um processo de planejamento complexo e que precisa ser bem feito. No Cerrado temos dois períodos bem característicos, um chuvoso e um de estiagem. O que a ciência tem apontado e o dia a dia vem mostrando é que os fenômenos climáticos estão se intensificando. Temos de nos preparar tanto na gestão do território onde estão essas águas como também em termos da infraestrutura: fazer obras, ser eficientes no uso da água e reduzir a perda na distribuição, entre outras coisas. Em suma, com as mudanças climáticas teremos de estar sempre à frente do tempo, pensando por vários ângulos.
A vazão do Rio Meia Ponte na captação de água em Goiânia entrou ainda no fim de maio na cota de alerta, que é o segundo nível na escala de preocupação. No ano passado, isso só ocorreu em agosto. O abastecimento da região metropolitana corre risco?
Precisamos voltar alguns anos atrás para entender como o sistema era e o que se tornou para hoje dar segurança ao abastecimento de Goiânia e minimizar os riscos. Antes de ter a barragem do Sistema Mauro Borges (na área do Parque Ecológico de Goiânia, região norte, divisa com Goianápolis), já havia uma estação no Ribeirão João Leite (Estação de Tratamento de Água Jaime Câmara), a primeira da capital -- de captação de superfície, como a do Meia Ponte (na região noroeste de Goiânia, Bairro São Domingos). Ambas têm capacidade de produzir 2 mil litros de água por segundo (L/s). Com o crescimento da cidade, tornou-se um desafio maior manter o abastecimento, até porque acima da captação do Meia Ponte também há usuários (em torno de 700 outorgas), que usam a água para, além do abastecimento humano, agricultura, pecuária, indústrias e outras atividades. O problema da captação de superfície é que, se houver problema na bacia, há o risco de ficar sem água. Foi o que ocorreu em 2017, quando uma estiagem forte e os usos da água deixaram o Meia Ponte na pior condição.
A estiagem atual promete ser tão grave ou até maior do que a de 2017. O que mudou desde então no sistema?
Mudou muita coisa. Podemos dizer que, no todo, a gestão do uso da água melhorou. Mas, mais do que isso, com o acesso ao reservatório do João Leite, a situação se transforma. É uma barragem muito bem construída, com um espelho d'água grande e também com profundidade, um calado grande. Então, ali podemos fazer uma reserva significativa, de 130 milhões de litros. O fato de ter um parque ecológico em seu entorno também ajuda bastante em sua conservação. Obviamente, é uma obra que vai requerer sempre cuidado em tempo integral. Com a realização da adução da água (sistema de transporte para a distribuição), que é uma obra gigantesca, com bombas imensas, hoje temos lá uma estação de tratamento que produz até 4 mil L/s. Ou seja, somadas as estações de captação de superfície, em Goiânia temos ao todo uma capacidade de produzir até 8 mil L/s, embora não tenhamos demanda para toda essa água. Está previsto que essa água também atenda parte de Aparecida de Goiânia, Goianira e Trindade. Desde 2019, uma adutora de integração leva essa água da barragem do João Leite, já tratada, para a captação do Meia Ponte. Para mantê-la em funcionamento com regularidade e funcionalidade, ela distribui 100 L/s, mas é algo que poderia chegar até 800 L/s.
Então podemos dizer que é o João Leite, especificamente essa barragem, que hoje garante a segurança hídrica de Goiânia, não mais o Meia Ponte?
O Meia Ponte continua importantíssimo como manancial da capital. A Saneago jamais poderá abrir mão da água do rio, isso é muito claro para já e para o futuro. Mas o que é uma barragem? É água reservada. Para uma cidade grande como Goiânia, é essencial que se tenha água reservada, para não depender dos mananciais. É, portanto, uma estratégia bem feita. O que faltava era essa água chegar ao máximo de lugares. É o que estamos fazendo agora, com as obras de interligação. E estamos atuando também na redução de perdas. Assim, hoje a dependência do Meia Ponte é muito menor.

Barragem do Ribeirão João Leite, em Goiânia, para abastecer toda região metropolina (Diomício Gomes / O Popular)
Então, tendo quantidade de água reservada suficiente, o foco passa a ser na distribuição?
Exatamente. Em 2018, 41% da capital era abastecida pelo João Leite e 59%, pelo Meia Ponte. A água do João Leite, que antes tinha apenas captação de superfície, passou a ser também captada diretamente do reservatório. Com as várias interligações que foram feitas a partir de então, hoje o Meia Ponte responde pelo abastecimento de apenas 36% da cidade; 64% do consumo de água vem do João Leite. Obviamente, isso vai sendo modulado ao longo do ano para que, quando vem o período de chuvas, se use ao máximo a captação do Meia Ponte; dessa forma, quando vem a estiagem, temos o reservatório do João Leite cheio, vertendo água. E é isso que está acontecendo e que nos deixa em uma situação segura. É preciso ressaltar ainda que, com os 800 L/s que chegam do reservatório do João Leite para a caixa de união (na captação do Meia Ponte) poderiam suprir toda a área dos 36% que hoje são abastecidos pelo Meia Ponte. Isso nos dá uma segurança ainda maior, já que 64% da cidade já pode ser abastecida diretamente pelo João Leite.
Isso quer dizer que Goiânia não vai sofrer com racionamento ou desabastecimento?
Embora a vazão do Meia Ponte esteja baixa, o reservatório do João Leite está com 97% de sua capacidade. Claro que não podemos dizer que haja risco zero, mas, com as obras que foram feitas -- a própria barragem, a estação de tratamento, as várias interligações pelas adutoras etc. -- e considerando que a barragem está cheia ainda, mesmo com a estiagem tendo se iniciado mais cedo, nossa avaliação é de que temos um nível de segurança bastante grande.
A capital, então, está pronta para enfrentar a crise hídrica?
Temos volume de produção, nível de reservatório e a versatilidade do sistema em nosso favor. Além disso, sabemos que trabalhamos com um serviço que é essencial. De nossa parte, estamos sempre pensando em como ter maior segurança, expandir os serviços, nos adiantarmos ao crescimento das cidades. São duas coisas em destaque: a estrutura construída e a segurança adquirida. Goiânia toda tem água, mesmo nas zonas que cresceram mais e que estiveram mais fragilizadas, como a região noroeste, e o recurso chega a todos os lugares. Fizemos o que estava programado, mas fomos além.
E o que vem a ser esse "além"?
Considerando o avanço do uso e também as questões climáticas, em 2019 optamos por mais uma obra, que estará concluída até o início do próximo ano. É a intervenção que chamamos de Conexão Cristina, algo que chegou até a ser descartado após a construção da adutora que ligou a barragem à captação do Meia Ponte. Mas por, digamos, um excesso de zelo, resolvemos executá-la.
Qual é o custo dessa obra e por que realizá-la?
De uma forma bem leiga, é como se fosse mais uma torneira do João Leite chegando ao Meia Ponte. Fizemos um investimento de R$ 64 milhões nessa "torneira". Consiste em uma adutora que vai até o Centro de Reservatório (CR) Cristina, na Vila Cristina, com capacidade de 10 milhões de litros. A importância é que essa conexão vai funcionar pelo "miolo" da cidade para, se necessário, evitar um eventual estrangulamento da distribuição. Com ela, haverá a integração total entre os sistemas João Leite e Meia Ponte e será possível suprir, pelo Sistema Mauro Borges, as regiões de norte a sudoeste de Goiânia; noroeste de Aparecida, além de possibilitar o uso do Sistema Meia Ponte para reforço no abastecimento das cidades vizinhas de Goianira e Trindade.
Outro gargalo em uma crise hídrica é o desperdício de água tratada antes de ela chegar ao consumidor, aquela que ocorre com vazamentos, ligações clandestinas e outros problemas nas tubulações das concessionárias. Como a Saneago lida com isso?
O mundo inteiro está de olho nessa questão. A redução de perdas é algo tão importante que está no novo marco do saneamento básico, como uma das quatro metas estabelecidas (as outras são universalização da água, universalização do esgoto e intermitência do sistema). Até 2033, todos os Estados terão de reduzir suas perdas a no máximo 25%. Em Goiás, com a Saneago, atingimos essa meta dez anos antes.
Ainda é comum ver em Goiânia a cena de água jorrando pela rua, em alguma obra ou intervenção. Como está esse índice de perdas na capital?
Três semanas atrás, ganhamos para Goiânia um prêmio nacional do (Instituto) Trata Brasil, como município com mais de 100 mil habitantes de menor perda em todo o País. Em 2019, essa perda já era baixa, em torno de 22%; desde então, reduzimos ainda mais esse índice, que hoje é de 12,7%.
Qual é o impacto dessa menor perda, no abastecimento total?
Contando que estamos perdendo em torno de dez pontos porcentuais a menos em nossa perda -- que, ressalto, já era baixa -- e que nossa produção seja de 4,5 mil L/s, isso daria em torno de 450 L/s, o que é o consumo de uma cidade como Jataí. Isso significa menos água a ser retirada dos mananciais, menos gasto com insumos e com energia elétrica, menos gente trabalhando nas ruas.
Em relação ao sistema de esgoto, o que falta?
Goiânia também está muito bem. O que falta é um pouco de expansão e o tratamento secundário nas duas estações que temos, para melhorar a qualidade do efluente que é lançado.
O chorume produzido no aterro da capital não é totalmente tratado na origem, como deveria. Hoje esse material, tóxico por conter metais pesados, chega à estação de tratamento de esgoto. Isso não coloca em risco, de alguma forma, o manancial?
A quantidade de chorume é de 0,5% do volume total que recebemos, algo ínfimo comparado à vazão que a ETE trata e com o corpo receptor (volume hídrico do manancial) que depois depura o esgoto tratado. Isso torna o impacto muito pequeno no efluente, ainda que a estação não tenha sido projetada para o tipo de resíduo que está no chorume. E é bom ressaltar que há um monitoramento físico-químico constante para observar algum possível impacto.
Indo além de Goiânia, o Rio Meia Ponte dá conta do recado da demanda de toda a bacia?
A montante (de Goiânia), do que depende do manancial, nunca tivemos problema. Em cidades pequenas, eventualmente até mesmo com caminhões-pipa é possível resolver emergencialmente a situação -- não que seja nosso caso. Já em cidades grandes, é preciso ter soluções muito bem planejadas e de longo prazo, que acompanhem seu crescimento, como as barragens.
A crise hídrica deve pesar sobre o produtor rural. A Saneago tem como ajudar nesse sentido também?
É como na cidade, todos tem de ter um consumo consciente. Sabemos que esta é a época do ano em que o produtor mais precisa de água e é um direito que ele tem. Mas pedimos a todos para ter consciência, investindo em tecnologia para usar o que tem de usar. No meio rural, assim como na cidade, é fundamental que não se desperdice água, que também tem sido nossa preocupação como empresa, haja vista nosso investimento na redução de perdas. Temos de dar o exemplo.
Se na região metropolitana a questão parece mais tranquila, há alguma região no Estado em que o desabastecimento seja uma preocupação, tendo em vista o cenário mais crítico?
Temos municípios com mananciais de baixa vazão e com proporcionalmente muitos usuários. Mas, como fizemos em Goiânia, também tomamos medidas em outros lugares. As cidades maiores têm nossa maior atenção nesse sentido. Fizemos várias campanhas de perfuração de poços em localidades onde havia maior risco. Em Rio Verde, além dos poços, implantamos mais uma estação de tratamento de água, com 120 L/s, totalizando 720 L/s na cidade. Estamos trabalhando também na parte ambiental para preservar a água em todo o Estado.
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