Eu já tinha lido todos os clássicos (Camões, Bocage, Álvares de Azevedo e Bilac). Para mim, isso era poesia! A poesia era a expressão da eufemização que vinha da superfície dos semas. Poesia era falar de coisas bonitas, metrificadamente, como se fala da mulher amada e da pátria gentil. De repente, conheço o texto de um mineiro; ele se chamada Carlos Drummond de Andrade. O texto falava de amor e se intitulava Lua Diurética. Pensei: Lua Diurética? Que é isso? Isso não pode ser um poema de amor... Mas era...Leitor,Inicio o texto de hoje com a fala de um dos maiores poetas da atualidade: José Ribamar Ferreira, conhecido de todos nós como Ferreira Gullar.Gullar traduz acima uma das maiores conquistas do Movimento Modernista, ocorrido no início do século passado. Mais do isso: Traduz aquilo que – de fato – a poesia (mas não apenas a poesia) deve traduzir: a arte do belo, sem qualquer retaliação de códigos morais ratificados por valores preestabelecidos.Gullar demonstra, por meio da arte (sim, porque a arte existe porque a vida não basta), que a expressão da palavra poética não é a expressão de um mundo idealizado e desconectado com o sentimento humano.Gullar professa que a linguagem não pode estar a serviço de um mundo politicamente correto e desprovido de humanidade.A passagem do poema de Drummond, a que o Poeta Mundialmente Maranhense se refere é: Escrevo teu nome com letras de macarrão na sopa.O verso Escrevo teu nome com letras de macarrão na sopa não era visto como poesia pelos adeptos da chamada poesia clássica, metrificada e romântica. Isso não tinha poeticidade. Isso não poderia falar de amor, em uma visão de Gonçalves Dias e companhia (felizmente limitada...)Mas isso é que era poesia, segundo aquela geração de poetas, que nascia para falar do amor verdadeiro; do amor que poderia ser visto em um prato de sopa de macarrão. Sim! Drummond tinha acabado um namoro, e – ao comer uma sopa – viu ali o amor recém-perdido, metaforizado pelo macarrão.Leitor,Segundo um dos maiores pensadores da contemporaneidade, Noam Chomsky, reconhecido professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, a Linguagem de Estado é a Linguagem de Estado. Assim, essa Linguagem de Estado não é exatamente a expressão das individualidades linguísticas que podem ser expressas pelo ser humano. A Linguagem de Estado é – apenas – a tradução paradigmática daquilo que – sociologicamente – foi definido como moralmente aceitável.Em razão disso, alguns intelectuais, como o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé, passaram a estudar o que se chamaria de Teoria do Politicamente Correto, a qual – segundo Pondé – seria a materialização da irrealidade das relações sociais por meio das palavras.Acalme-se, Leitor! Já explico:Para quem é contra a Teoria do Politicamente Correto (que é o caso de Pondé), é inadmissível a utilização das palavras como meio de esconderijo da realidade. Assim, não chamar um preto de preto, mas sim, de afrodescendente, por exemplo, é voltar ao passado bilaquiano ou azevediano da romanticidade irreal.Seria como dizer que alguém não morreu, mas que foi desta para uma melhor. Seria como romantizar o que não é romantizável. Entendeu?Leitor,No campo da linguagem, a história do Politicamente Correto tem sido tão discutida que o cinema (que também é linguagem) passou a se debruçar sobre o assunto.Será lançado, ainda neste primeiro semestre, o filme Batman versus Superman. No filme o Cavaleiro Vingativo e Politicamente Incorreto é confrontado com a pureza e a justiça kantiana do dever ser do Homem de Aço.Na verdade, leitor, o filme é a tradução da moderna angústia humana: O que é o comportamento justo? Que é ser justo? Qual é a linguagem da justiça? Será a linguagem questionável, vingativa justiceira e pouco politicamente correta do Batman, ou a linguagem do Estado, respeitosa e indissociavelmente áulica do Superman?Leitor,Não quero aqui doutrinar sobre a volta da irrealidade linguística dos textos da primeira metade do século XIX, mas....Mas, não há como não ficar (no mínimo) estarrecido com o nível de escolha lexical (de palavras) que alguns - em nome da justiça social e da sinceridade – têm se utilizado para expressar sua honestidade.Como diria o sábio Rui Barbosa: meu ouvido não é urinol Leitor,Como justiceiros batmaníacos, muitos utentes da língua descarregam, em redes sociais e em conversas nos bares da vida, suas palavras dignas de filmes pornográficos (com todo respeito, porque, nesse caso, pode-se falar em adequação linguística) como opiniões sobre a política da República. Mais: como solução para a crise institucional do Brasil.Noutro dia, eu estava em um restaurante, com minha família, e tive de mudar de lugar em razão da quantidade de palavras de baixo calão (bom é lembrar que não é de baixo escalão, como tenho ouvido muita gente boa dizer por aí) que um “cidadão” (aqui faço questão de usar aspas) disparava em conversa sobre a opinião dele a respeito do Governo.Leitor,Repito: não quero aqui vaticinar sobre a volta da linguagem puritana da primeira metade do século XIX, porém quero externar – como linguista e cidadão – minha preocupação com o nível de linguagem chula e desrespeitosa que tem sido a tônica nas casas, nos restaurantes, nos tribunais, nas reuniões de condomínio etc.Leitor,Linguisticamente, os adultos não respeitam mais a presença dos mais jovens. Linguisticamente, os jovens perderam a disciplina linguística em relação aos adultos. Linguisticamente, os idosos ficam estarrecidos e – em alguns casos – perdem a morte em razão da escolha chula e desrespeitosa de que são vítimas. Linguisticamente, os namorados vão bem além da sopa de macarrão de Drummond, em suas declarações de amor às namoradas. Linguisticamente, os governantes são desrespeitos com o povo; e o povo, com os governantes. Linguisticamente, o Batman está vencendo o Superman.O pior é que isso tudo não é apenas LINGUISTICAMENTE.Leitor,Na verdade, o pior disso tudo é ver a indignação hipócrita desses batmaníacos - que linguisticamente arrotam palavrões, em vez de se expressar - com o diálogo chulo do ex-presidente da República, que proferiu expressões que – por óbvio – não devem ser colocadas aqui neste texto.Ora, Leitor!Os políticos nascem do seio da sociedade. Do seio da sociedade nasce também a linguagem dos políticos. Como coloca muito bem Manuel Castells, em sua obra O Poder da Comunicação, a linguagem dos representantes do povo é a linguagem do povo.Muitos dos que reclamam da linguagem de traficante do ex-presidente (ou do ministro, sei lá...) são assim também ao celular, em conversa com as namoradas, com os pais e (acredite) com os filhos...Leitor,A contemporaneidade não soube interpretar Drummond e Gullar acerca da escolha das palavras. A contemporaneidade não entendeu que ser sincero e honesto não tem relação com a linguagem chula e deselegante. A contemporaneidade escolheu mal. A contemporaneidade optou pelo Batman.Confesso que, como linguista e como jurista (e melhor, como cidadão) opto pela linguagem como sistema de comunicação social de manutenção da boa convivência humana.Opto pela inequívoca necessidade de dizer a verdade - com sinceridade – e com respeito ao próximo.Opto escolha das palavras como um instrumento de alteridade, em que o próximo seja – realmente- o próximo; não um inimigo com que devo digladiar desrespeitosamente, quando minhas ideias possam vir a ser diferentes das da dele.Opto pela sinceridade pontual e elegante dos ingleses, que resolvem os conflitos com força (se necessário), mas que – acima de tudo - entendem a ciência da linguagem de Chomsky.Leitor,Por tudo isso, entre a linguagem do Batman, do Lula e a do Superman, em verdade vos digo: Fico com a última!Feliz Páscoa e até a próxima! Por: Professor Carlos André