Atualizada às 22h07Na pandemia do coronavírus (Sars-CoV-2), a Universidade Federal de Goiás (UFG) tem sido atingida não só por cortes de orçamento do governo federal, mas também por mudanças no comportamento dos estudantes. O número de alunos da graduação com matrículas trancadas teve um aumento de 90%, quando se compara o mesmo período letivo de antes e depois da Covid-19. Reportagem do POPULAR da última quinta-feira (13) mostrou que cerca de 600 estudantes perderam pelo menos uma bolsa, após cortes de benefícios acumulados, para se enquadrar no orçamento reduzido de 2021.O estudante matriculado na UFG pode trancar a matrícula - ou seja, se afastar sem perder o vínculo com a universidade - por até quatro vezes, de forma consecutiva ou alternada. Cada trancamento dura o período de um semestre. No segundo semestre de 2019, a instituição tinha 898 estudantes com a matrícula trancada. Já no segundo semestre de 2020, que começou em abril de 2021, por conta do período sem aulas no início da pandemia, o número de matrículas trancadas subiu para 1.716. São 818 trancamentos a mais.No total, foram 1.076 matrículas a menos entre 2019 e 2021, considerando as 818 trancadas, mais desistências e outros fatores. Em agosto de 2019, a UFG tinha um total de 20,6 mil estudantes matriculados. Já em abril de 2021, este número é de 19,5 mil, uma queda de 5%.O reitor da UFG, Edward Madureira, aponta dois tipos de fatores que podem explicar esses estudantes que decidiram trancar suas matrículas: a não adaptação às aulas remotas e o contexto socioeconômico relacionado à pandemia. “Muito aluno teve de trabalhar e trancou, porque alguém da família morreu ou perdeu o emprego. Não dá para quantificar, mas a gente sabe de aluno que tinha condições, tinha recursos, e não queria o (sistema) remoto”, avalia o reitor.Em entrevista para o POPULAR na última quarta-feira (12), Edward disse que os cortes do governo federal no orçamento das universidades federais, que representa R$ 13 milhões na UFG em 2021, pode afetar bolsas e benefícios, comprometendo a permanência do estudante sem condições financeiras. Ele disse que os benefícios retornam caso o orçamento seja retomado em âmbito nacional.A coordenadora geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFG, Letícia Scalabrini, de 22 anos, avalia que o principal fator que está levando mais estudantes a trancar matrículas é a questão econômica. “Quando o estudante não consegue ter dinheiro para ajudar a família, se alimentar e gastos básicos, ele se vê na obrigação de ir para o trabalho. Hoje, muitos estudantes estão trancando a matrícula para poder se dedicar ao trabalho”, conta a aluna, do 7º período de Ciências Sociais.Letícia também avalia que existe uma questão motivacional, relacionada à falta de perspectivas para estudantes com curso superior. “A gente tem visto uma desesperança muito grande com o cenário. ‘A gente vai formar, mas a que custo? Passando fome? Com a família como está? Perdendo parentes? Não tem trabalho’”, questiona. Além desses fatores, a coordenadora também vê casos de questões pessoais de estudantes que foram para suas cidades no interior e não conseguiram conciliar com o ensino remoto.BolsasReportagem do POPULAR publicada na edição desta quinta-feira (13), mostrou que a UFG reduziu cerca de R$ 300 mil do orçamento mensal com o corte de bolsas estudantis que não podem mais ser acumuladas. Cerca de 600 estudantes perderam pelo menos um auxílio, por conta desse corte dos benefícios.Esses cortes nas bolsas eram até maiores, com redução de valores de um dos benefícios de R$ 400 mensal para R$ 300. No entanto, após protestos de alunos e reavaliação da Reitoria, o benefício foi mantido no valor anterior. No último dia 5 de abril, estudantes da Casa do Estudante Universitário (CEU) V entregaram uma carta aberta na Reitoria e fizeram uma pequena manifestação na entrada do local.Durante o protesto, os alunos levaram cartazes com palavras de ordem como “Tire as mãos das nossas bolsas” e “Reitor, devolva nossas bolsas”. Os manifestantes também utilizaram um microfone para relatar o que reivindicavam. “Para quem não sabe, muita gente que recebe bolsa, principalmente a galera quilombola e indígena, manda dinheiro para as famílias também”, relatou um dos alunos no protesto.A coordenadora do DCE, conta que a entidade tem ajudado a arrecadar cestas básicas para os estudantes. “Muitas vezes, os estudantes acumulam essas bolsas por serem de baixa renda, mais pobres, que vêm de outros Estados. Às vezes, eles vêm só com a mala e a roupa do corpo. De fato, precisam dessas bolsas.”Nem todas as bolsas eram possíveis de acumular. Estudantes que recebiam R$ 800 mensal ao acumular duas bolsas, tiveram o valor cortado pela metade, já que ficaram só com um dos benefícios de R$ 400. Também era possível acumular a bolsa do MEC e Moradia, o que dava a soma de R$ 1,5 mil, que caiu para R$ 900, só com a bolsa mais alta.De acordo com a reitoria, o corte federal no Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) não permitiria manter as bolsas da mesma maneira. Dos R$ 13 milhões a menos no orçamento, cerca de R$ 5 milhões foram no PNAES, o recurso destinado para as bolsas e auxílios.De acordo com o reitor Edward Madureira, se o corte no orçamento for mantido, a universidade teria condições de funcionar até setembro. Diferente de antes que havia o bloqueio de parte do orçamento, desta vez o orçamento já está vindo cortado direto na lei, segundo o reitor.-Imagem (1.2250066)