Uma árvore simbólica, que faz parte da história da cidade e da memória afetiva de seus habitantes, condenada pelo fogo criminoso, mas que já sofria com as ações do tempo e as sequelas da vida vegetal na metrópole. Esse é um resumo da gameleira da Avenida Araguaia, no Centro de Goiânia, que vive seus últimos dias. Além do incêndio que selou seu destino, podas na base que afetaram suas raízes e insetos parasitas em seu cerne, já definhavam a gigante Ficus elastica, seu nome científico.
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"O fato de a planta ter folhas verdes e parecer saudável não significa que não esteja doente e, às vezes, até morrendo", diz o biólogo e analista de obras e urbanismo da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) Leandro Georges. Foi ele o responsável pelo laudo que decretou o corte da gameleira, que deverá ocorrer nas próximas semanas, em forma de força-tarefa e com algum grau de transtorno. Por seu porte avantajado e a localização em via de grande fluxo, o risco de tentar prolongar sua sobrevida é muito alto.
Como a conhecida árvore da Araguaia -- que, embora pareça centenária, tem "só" cerca de 60 anos --, outras, de várias espécies, chegam ao fim do ciclo vital e precisam ser retiradas. É um processo natural numa cidade que chega esta semana aos 91 anos -- relativamente nova, mas com desafios para os quais precisará estar protegida por uma arborização adequada.
"Árvores são seres vivos e têm seu limite. A questão é que, se no meio natural vivem 80 anos, na cidade sua existência é abreviada até pela metade", explica Leandro. São vários os reveses que minam as plantas nas cidades -- as pragas, a poluição, a trepidação por causa do trânsito e o vandalismo, entre outros.
Em Goiânia, o instrumento que guia as políticas para essa área é o Plano Diretor de Arborização Urbana (PDAU), que se tornou lei em janeiro, o que faz com que agora, por exemplo, o corte irregular ou a não substituição na porta da casa cause notificação, autuação e multa ao cidadão infrator. "A árvore na cidade não é só uma árvore, é também um equipamento urbano -- assim como um poste, uma placa de trânsito, um bueiro. Porém, ela ainda é uma árvore e, como ser vivo, deve ser tratado de maneira diferente, porque o poste ou a placa podem ser removidos; a árvore, não", diz a agrônoma Fabíola Adaianne Oliveira, também dos quadros da Amma e há 2 anos e 8 meses como assessora técnica da Superintendência de Gestão Ambiental e Licenciamento da agência.
Em março, Goiânia obteve o título de Cidade Árvore do Mundo, reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU) pela preservação. Nos anos 90, virou a "capital ecologicamente correta". A fama de arborizada não existe à toa: a questão era parte essencial de Goiânia já no projeto de Attilio Corrêa Lima, depois seguido em grande parte por Armando de Godoy -- a ideia da cidade-jardim, com atenção especial a parques. Em capítulo no livro Cinco cidades que nasceram arborizadas, da Editora UFMS, Fernanda Fontes Mendonça e Rodrigo Carlos Batista de Sousa resgatam trechos do relatório de Attilio em 1935, ao se desligar do projeto. No texto, intitulado "Goiânia de Attilio e Godoy: uma cidade planejada e arborizada", a dupla destaca uma frase do urbanista que diz muito sobre a relação entre a cidade e o verde: "Goiânia nasceu harmoniosa na relação entre áreas construídas (propostas) e áreas verdes a serem conservadas."
Mistura de exóticas com nativas
Na Goiânia planejada e erguida no meio do Cerrado, à vegetação nativa se misturaram desde o lançamento da pedra fundamental espécies exóticas encomendadas pelos próprios urbanistas, mas também por viajantes, visitantes e pesquisadores. Foi assim que a cidade que começava teve suas ruas, praças, jardins e quintais adornados com flamboyants, mungubas, espatódeas, palmeiras-imperiais e gameleiras, vindas de outros biomas brasileiros ou mesmo de outros países.
"É preciso dizer também que não havia, naquele contexto histórico, nenhuma valorização da vegetação do Cerrado", diz Rodrigo Carlos Batista de Sousa, engenheiro florestal e também doutorando em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás (UFG). "Naquela época, claro, não havia os estudos de que dispomos hoje sobre a riqueza do ecossistema, sua biodiversidade e todas essas questões."
Na escolha, algo muito levado em consideração, além da estética para o paisagismo, foi o sombreamento que as árvores poderiam fornecer, como concordam Rodrigo Carlos e Leandro Georges. "A ciência mostra como as árvores auxiliam na regulação da temperatura e da umidade", diz o engenheiro florestal. "As espécies do Cerrado têm crescimento mais lento, ao contrário das que foram trazidas para cá", completa o analista da Amma.
O foco na cidade verde se mostrou presente em bairros planejados em períodos diferentes e que estão hoje no topo da lista, segundo a própria Amma, dos mais arborizados da capital: é o caso do Setor Sul, do projeto original de Goiânia; do Jaó, concebido na década de 50; e do Goiânia 2, iniciado nos anos 80. Todos são caracterizados por ter grandes áreas verdes, com bosques e parques.
O Setor Central, porém, com o passar dos anos, deixou seu planejamento urbanístico em segundo plano, o que veio com a mudança de função do próprio bairro, que deixou de ser híbrido (habitacional e comercial), para se vocacionar de forma hegemônica ao comércio. Isso refletiu na paisagem, que perdeu muitas unidades arbóreas, especialmente por conta da adequação das salas e lojas para a atividade. Hoje, o Centro é um dos locais menos arborizados de Goiânia, ao lado de Campinas -- com problemas peculiares, já que é uma localidade anterior à capital -- e do distante Jardins do Cerrado, na divisa com Trindade e cujo parcelamento foi em uma área de pastagem, sem vegetação.
Para Júlio Pastore, professor da Universidade de Brasília (UnB), Goiânia tem um bom índice de arborização, pode ser considerada uma cidade-parque, mas ainda peca com a periferia em relação a áreas verdes. "Uma cidade bem arborizada começa com decisões de infraestrutura que vão para além da arborização. É preciso espaço nas calçadas, infraestrutura de fiação e iluminação, de modo que o plantio de árvores não cause problemas", diz.
"São problemas originados por opções do poder público e que costumam ocorrer na periferia, onde loteamentos são feitos com economia de espaço e recursos", continua Pastore, que também é agrônomo pela UFG e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP). "A população (da periferia) costuma ficar com a impressão de que não vai 'caber' árvore e que ela pode aumentar a escuridão, a delinquência e a sujeira. Isso porque o município não investe em mostrar quão importante é ter árvore por perto."
Rodrigo Carlos acrescenta que o Plano Diretor de Arborização Urbana (PDAU) precisa ser cumprido para a cidade como um todo e que "atualmente existem vários projetos inteligentes de arborização urbana" que podem ser adaptados para cada local da cidade, com espécies adaptadas para o local, que não causem conflito. "É bom sempre lembrar que tem gente que gosta de árvores, mas também têm os que as detestam. Mas a lei está aí e precisa ser cumprida", finaliza.
Desde março deste ano, Goiânia é uma das 34 cidades brasileiras certificadas pela Arbor Day Foundation, uma organização não governamental ligada ao programa da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e Agricultura (FAO). O atestado dá o direito à capital de usar o título Cidade Árvore do Mundo, um selo de qualidade ambiental. Para tanto, a cidade teve de preencher critérios, como a quantidade de árvores em relação aos habitantes (ou área do município) e a legislação municipal sobre arborização.
A engenheira agrônoma Fabíola Adaianne Oliveira, servidora de carreira da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma), tem grande responsabilidade na obtenção do título. Foi ela quem coordenou o preenchimento da documentação que levou Goiânia a conquistá-lo. "É uma certificação por meio da qual podemos encontrar empresas parceiras, atraídas pelo marketing verde, que queiram se ligar ao título com trabalhos em conjunto com o município", explica, ressaltando que, por ser uma certificação obtida há pouco mais de seis meses, não houve tempo hábil para configurar muitas adesões.
Os projetos desenvolvidos na cidade e que multiplicam o plantio de mudas também serviu para o reconhecimento. A Amma tem três programas que servem para vários tipos de ações: o Arboriza Gyn, que visa a recomposição de áreas de preservação permanente com uma quantidade maciça de unidades arbóreas; o Disque-Árvore, pelo qual o cidadão pede o plantio de uma muda na calçada e a agência executa a solicitação; e o Rearboriza, que, depois de estudos, revitaliza o verde em passeios públicos de vias desarborizadas, como é o caso do Centro e de Campinas.
A superintendente da Amma não acredita que a mudança de governo para o próximo ano possa causar impacto significativo nos programas. "Talvez se diminua sua importância perante a política, mas não vai diminuir perante a sociedade. O goianiense gosta de árvore. E, como grande parte das árvores está nos parques, não tem como o novo prefeito deixar de ter esse cuidado com a questão ambiental."

Desafios da arborização urbana em Goiânia. Na foto, biólogo e analista da Amma Leandro Georges, no Parque da Criança, na Rua 72 esquina com a Rua 71, no Setor Jardim Goiás, junto a um conjunto de leucenas, árvores exóticas invasoras (Wildes Barbosa / O Popular)
Leucena, a invasora
Se você já foi à já tradicional Feira do Cerrado ou ao Parque da Criança, nas imediações do Estádio Serra Dourada, já deve ter topado com um minibosque que torna o clima mais ameno por ali. A questão é que grande parte desse sombreamento é feito por leucenas, árvores exóticas invasoras que são consideradas uma praga urbana pelos órgãos ambientais. "Leucena é um grande problema, porque se espalha como capim e acaba por matar as espécies nativas, que crescem mais lentamente", diz o biólogo e analista de obras e urbanismo da Amma Leandro Georges. No manejo recente feito nas margens do Córrego Botafogo, a espécie invasora foi o principal alvo. "Ela se espalha muito rapidamente e já está presente praticamente em todas as proximidades de cursos d'água da cidade, além de outros locais."
No caso das leucenas da Feira do Cerrado, por se tratar de uma área do governo estadual, a Amma não pode agir. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Esporte e Lazer (Seel) emitiu uma nota alegando que o espaço tem cessão de uso à Associação Cultural Feira do Cerrado, e que, dessa forma, "cabe à instituição a manutenção da área". Também ressaltou que "é de conhecimento da Seel a presença das leucenas, contudo, a equipe de infraestrutura da pasta não identificou até o momento a necessidade de uma intervenção específica" e que nunca houve contato da Amma sobre esse tema. "A Secretaria de Estado de Esporte e Lazer se coloca à disposição dos órgãos competentes para discutir as soluções que sejam benéficas à população", finaliza o texto.
