Ainda existem juízes em Brasília?
Vilmar Rocha
Em 1745, na Prússia, o rei Frederico II quis destruir um velho moinho que obstruía a vista da paisagem a partir das janelas de seu recém-construído palácio de verão. O dono do moinho não acatou a ordem de demolição, mesmo diante das ameaças de confisco de sua propriedade sem indenização. Diante disso, o moleiro lhe respondeu: "Ainda há juízes em Berlim", ecoando sua crença na Justiça. O imperador, que era um déspota, mas esclarecido, não ousou levar adiante sua ameaça, e o velho moinho lá permaneceu.
Trago o conto do Moleiro de Sans-Souci, de François Andrieux, porque o julgamento da PET 12.100, que investiga os atos de 8 de janeiro de 2023, me suscita tal reflexão: ainda existem juízes em Brasília diante dos excessos cometidos por ministros do Supremo Tribunal Federal no trato com os eventos ocorridos naquele dia?
Como já afirmei anteriormente, não considero tais eventos uma tentativa de golpe de Estado, narrativa que o STF utiliza para atrair para si a competência de julgar os réus de 8 de janeiro, mas uma série de atos de vandalismo passíveis de responsabilização, desde que julgados pelo juiz natural. Não nego, no entanto, a conspiração por parte de um pequeno grupo contra a democracia brasileira ocorrida antes desses fatos.
Adianto também que minha reflexão tem como motivação a defesa da Justiça e do Estado de Direito Democrático e que não se confunde com adesão a movimentos extremistas, com os quais nunca simpatizei. Entre os motivos pelos quais argumento que o STF, e de forma mais acentuada o ministro Alexandre de Moraes, extrapola seus limites, destaco a questão da competência. As pessoas envolvidas são cidadãos sem foro privilegiado, acusados de infrações penais comuns, portanto, não caberia ao Supremo julgá-los.
Ademais, o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, é vítima dos acontecimentos e parte interessada no caso, pois o Supremo foi um dos alvos dos vândalos. Sendo assim, ele não poderia presidir o inquérito e julgar os envolvidos. Sua participação contraria o devido processo legal e restringe o direito à ampla defesa, princípios fundantes do Estado Democrático de Direito.
O andamento dado ao caso configura claramente abuso de poder, e tais posicionamentos equivocados não apenas contaminam a legitimidade do Supremo, mas também se estendem às outras instâncias da Justiça, minando a confiança que a sociedade deposita na Justiça brasileira e colocando em risco a própria democracia.
Vejo, neste julgamento, motivações políticas das quais os ministros do Supremo deveriam se manter distantes. No entanto, seus votos deixam transparecer um posicionamento ideológico, replicando na mais alta corte a polarização que divide o país. Considero essa integração dos juízes do STF ao debate político algo grave e bastante temerário.
A democracia brasileira, nosso modelo de Estado, que limita o poder estatal em favor dos direitos dos cidadãos, sustenta-se em cortes compostas por juízes em sua essência, comprometidos com a justiça, e não com justiçamentos, íntegros e imparciais. Ainda os temos em Brasília?
Vilmar Rocha é professor de Direito da UFG e fundador presidente do Instituto Vilmar Rocha de Estudos Políticos
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